A prolongada guerra na Ucrânia impulsionou o crescimento acelerado da indústria de drones no país, transformando Kiev em um potencial fornecedor estratégico dessa tecnologia para países europeus. A experiência adquirida em combate e a necessidade de soluções rápidas e eficientes fizeram com que centenas de empresas ucranianas surgissem ou se adaptassem à produção de drones para usos diversos, desde reconhecimento até ataques de longo alcance.
Durante os primeiros anos do conflito, o governo ucraniano resistiu à ideia de exportar essas tecnologias, concentrando a produção no esforço de guerra interno. Porém, em junho, o presidente Volodimir Zelenski lançou o programa "Construa com a Ucrânia", permitindo a abertura de linhas de produção conjuntas com aliados e a transferência limitada de tecnologia, marcando uma mudança importante na estratégia do país.
Yaroslav Azhnyuk, CEO da The Fourth Law, reconhece que os drones ucranianos podem não ser os mais sofisticados do ponto de vista técnico, mas destaca que o ecossistema de produção, baseado em experiência real de combate, representa uma vantagem inegável. Para ele, as empresas do país têm muito a oferecer à Europa em termos de produção prática e eficaz.
A flexibilidade também é um dos pontos-chave do sucesso ucraniano. As empresas frequentemente utilizam componentes do mercado, peças impressas em 3D e softwares de código aberto para criar modelos adaptados a diferentes tipos de missões. Os drones FPV, por exemplo, tornaram-se armas letais de baixo custo, guiadas manualmente até seus alvos por operadores com headsets. Outras categorias lançam minas ou bombas, realizam vigilância ou executam ataques em território russo.
Apesar dos avanços tecnológicos, a limitação orçamentária tem restringido a capacidade de produção. Em junho, Zelenski admitiu que o orçamento nacional só permite financiar cerca de 60% do que o setor de defesa poderia fabricar. Essa limitação impulsionou a pressão do setor privado para abrir o mercado externo, evitar gargalos e garantir a sobrevivência das empresas frente à guerra.
Para evitar riscos, muitos fabricantes defendem a internacionalização. Oleksandr Yakovenko, da TAF Drones, relatou que teme perder instalações em bombardeios e, com isso, falhar na entrega de contratos firmados com o governo. Artemm Vyunnyk, da Athlon Avia, compartilha a mesma preocupação. Sua empresa já fabrica o drone de vigilância Furia e desenvolve o Silent Thunder, que poderia ser produzido no exterior para garantir sua proteção.
A exportação também é vista como forma de preservar a propriedade intelectual e evitar que outras empresas internacionais se apropriem de soluções desenvolvidas em solo ucraniano. A legislação para regular a nova fase ainda está sendo elaborada pelo Parlamento da Ucrânia, e o setor aguarda definições sobre quais tecnologias poderão ser exportadas e em que condições.
A Europa, por sua vez, demonstra crescente interesse em absorver esse conhecimento. Países como o Reino Unido estudam parcerias que envolvam a coleta de dados de combate pelas empresas ucranianas e a produção dos drones em território britânico, sem a necessidade imediata de joint ventures. Embora esse modelo beneficie as indústrias nacionais europeias, ele pode limitar o nível de integração desejado pelas empresas ucranianas.
O principal diferencial da Ucrânia está na experiência prática. Testadas continuamente em batalha, as tecnologias ucranianas oferecem soluções adaptadas às necessidades reais do front. Como afirma Melania Parzonka, do Chatham House, “nenhuma empresa de drones na Europa pode se comparar a uma que tenha sido testada na guerra da Ucrânia”.
O setor acredita que o futuro das fabricantes ucranianas dependerá de sua capacidade de exportar não apenas drones, mas serviços completos – desde o fornecimento até o treinamento de operadores, passando por manutenção e atualizações tecnológicas.
Segundo Azhnyuk, a Ucrânia detém hoje uma vantagem estratégica inigualável: “estamos em guerra há 11 anos. Essa é uma realidade que nenhuma outra empresa no mundo pode replicar.”