O corpo humano é uma estrutura complexa, construída ao longo de bilhões de anos de evolução, a partir de modificações progressivas que deram origem a tudo, desde nossos órgãos internos até traços únicos como o formato da mandíbula. No entanto, mesmo com todo o conhecimento acumulado, algumas características ainda desafiam explicações científicas precisas — como o fato de sermos a única espécie com queixo.
Em seu livro The Tree of Life ("A Árvore da Vida"), o pesquisador Max Telford aborda essas lacunas do entendimento evolutivo e mostra como a ciência ainda está em busca de respostas para certas peculiaridades humanas.
Entre os questionamentos está o curioso caso do queixo. Nenhum outro mamífero, nem mesmo os neandertais ou outros primatas próximos, desenvolveu essa saliência óssea. Existem diversas teorias sobre sua origem: seria um reforço para a mandíbula durante combates primitivos? Um atrativo visual relacionado à barba masculina? Ou apenas uma consequência do consumo de alimentos mais macios, resultado da invenção da culinária? Apesar das hipóteses, a ausência de exemplos similares em outras espécies dificulta a comprovação de qualquer delas.
A evolução funciona como um processo contínuo de adição de estruturas funcionais. Cada parte do corpo foi sendo moldada ao longo do tempo, desde antes de sermos vertebrados ou mamíferos. Traços como intestino e corpo surgiram primeiro, seguidos por coluna vertebral, membros, leite, cabelos e unhas. A origem de muitos desses elementos pode ser estudada por meio da chamada evolução convergente — quando uma característica surge em diferentes grupos, permitindo comparações e conclusões sobre sua função adaptativa.
Um exemplo clássico disso são os testículos. Os seres humanos, por exemplo, têm testículos de tamanho intermediário quando comparados ao dos gorilas e dos chimpanzés. Apesar de sermos maiores que os chimpanzés, temos testículos três vezes menores que os deles, mas três vezes maiores que os dos gorilas. O tamanho, nesse caso, tem relação direta com os comportamentos reprodutivos das espécies.
Nos macacos colobus, os machos dominam haréns e, por isso, precisam produzir apenas o mínimo de esperma para garantir a reprodução. Já em espécies como os macacos-de-boina, onde há acasalamento múltiplo entre os membros do grupo, a competição entre espermatozoides é intensa. Isso exige que os machos tenham testículos significativamente maiores, para gerar mais esperma e aumentar as chances de sucesso reprodutivo.
Esses padrões se repetem entre mamíferos: espécies mais promíscuas tendem a ter testículos maiores, enquanto as monogâmicas mantêm tamanhos reduzidos. Os gorilas, que controlam haréns, têm testículos pequenos. Os bonobos e chimpanzés, com hábitos sexuais liberais, possuem grandes testículos. Os golfinhos, especialmente os da espécie rotadora, podem ter os maiores testículos proporcionalmente de todos os mamíferos — chegando a representar até 4% do peso corporal, o que equivaleria a três quilos em humanos.
Esse tipo de análise permite verificar a ligação entre comportamento sexual e características físicas por meio da comparação entre espécies. Mas no caso do queixo humano, por ser único entre os mamíferos, falta esse ponto de referência comparativo. Assim, mesmo com ideias interessantes, os cientistas ainda não conseguem chegar a uma explicação comprovada.
A evolução do corpo humano continua a ser uma narrativa repleta de pistas e enigmas. Algumas perguntas talvez nunca sejam completamente respondidas — e certas partes de quem somos podem permanecer um mistério para sempre.