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Acidente
07/07/2025 02:00:00

A fábrica de espiões: como a inteligência russa usou o Brasil para infiltrar agentes no Ocidente

A fábrica de espiões: como a inteligência russa usou o Brasil para infiltrar agentes no Ocidente

Artem Shmyrev viveu por seis anos como Gerhard Daniel Campos Wittich, um suposto empresário brasileiro de 34 anos, dono de uma firma de impressão 3D no Rio de Janeiro, namorado de uma brasileira e dono de um gato da raça Maine Coon. Seu disfarce era tão convincente que nem mesmo a companheira suspeitava de sua verdadeira identidade: ele era um agente da inteligência russa.

A história de Shmyrev é apenas uma entre várias reveladas por uma investigação conduzida por policiais federais brasileiros, que, de maneira discreta, descobriram que o Brasil havia se tornado uma base estratégica para a construção de identidades falsas de espiões russos. Esses agentes, conhecidos como “ilegais”, apagavam seus rastros e adotavam vidas comuns no país, com o objetivo de, depois, seguirem para missões em países como Estados Unidos, Israel, Holanda e outras nações europeias e do Oriente Médio.

A rota dos espiões: do Brasil para o mundo

A operação secreta do Kremlin funcionava como uma linha de produção. Os agentes criavam negócios, faziam amizades, se envolviam romanticamente e acumulavam documentos legítimos brasileiros, mesmo que baseados em identidades fictícias. Com passaportes válidos, eles podiam circular livremente pelo mundo. Alguns abriram joalherias, outros se passaram por estudantes, pesquisadores ou modelos.

As autoridades brasileiras, auxiliadas por serviços de inteligência internacionais, descobriram que pelo menos nove agentes russos haviam recebido documentos brasileiros válidos. Grande parte dessas identidades era baseada em registros de nascimento legítimos, mas sem lastro de vida real no país. O padrão foi identificado pela Polícia Federal, que passou a procurar os chamados “fantasmas”: pessoas que surgiam no sistema apenas na fase adulta, sem qualquer histórico de infância no Brasil.

A Operação Leste e a virada da investigação

O alerta veio após a invasão russa à Ucrânia, em 2022. A CIA informou ao Brasil que Sergey Cherkasov, um agente russo disfarçado de brasileiro chamado Victor Muller Ferreira, havia tentado se infiltrar no Tribunal Penal Internacional na Holanda. Ele foi interceptado e monitorado por dias até ser preso por uso de documentos falsos — já que o Brasil não possui legislação específica contra espionagem em tempos de paz.

A partir de então, a Polícia Federal intensificou as buscas por padrões em registros civis. Foi quando identificaram casos como o de Shmyrev, cuja certidão de nascimento era real, mas baseada em informações falsas. Outro caso relevante foi o de Aleksandr Utekhin, que usava o nome Eric Lopes e comandava uma joalheria no Brasil com aparência legítima, mas sem origem comprovada das joias.

A reação global e a queda da rede

Com o início da guerra na Ucrânia, os serviços de inteligência mundiais passaram a atuar com mais cooperação, trocando dados e cruzando informações. Diversos espiões foram desmascarados e presos em diferentes países. Outros fugiram. A Polícia Federal, ciente das limitações legais no Brasil, optou por desmascarar os agentes utilizando os recursos da Interpol, emitindo alertas com fotos, digitais e dados de identidade, mas sem mencionar espionagem — apenas falsificação documental.

O impacto e as consequências

Dos espiões identificados, alguns continuam foragidos, enquanto outros, como Cherkasov, permanecem presos. A Rússia tentou repatriá-lo alegando crimes de tráfico, mas o Brasil resistiu, sustentando que a permanência dele é essencial para aprofundar as investigações.

A Operação Leste revelou o grau de vulnerabilidade do sistema documental brasileiro e expôs o país como peça-chave em um dos programas de espionagem mais sofisticados do mundo. O Brasil, historicamente neutro em conflitos geopolíticos, respondeu de forma incisiva a essa traição silenciosa.

Em um dos últimos contatos antes de desaparecer, Shmyrev teria dito à namorada: “Meu passado me alcançou. Vocês ainda vão ouvir falar de mim. Mas saibam: nunca fiz nada de muito ruim. Nunca matei ninguém.” Com suas identidades expostas e os rostos registrados em bancos de dados internacionais, o retorno desses espiões às sombras parece cada vez mais improvável.