Durante o governo de Jair Bolsonaro, o Brasil viveu um isolamento internacional e chegou a ser chamado de “pária” por seu próprio ex-ministro das Relações Exteriores. Com a chegada de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência, em janeiro de 2023, havia expectativa de que o país retornasse ao cenário diplomático global. De início, Lula seguiu esse caminho: foi à COP27 antes mesmo de assumir o cargo e, em fevereiro, visitou os Estados Unidos. Mas, pouco tempo depois, passou a adotar posturas que desconcertaram parte do Ocidente.
Lula buscou mediar a guerra na Ucrânia, criticou o predomínio do dólar nas transações internacionais, viajou à China e recebeu o ministro das Relações Exteriores da Rússia. Essas ações foram interpretadas por alguns como um alinhamento com regimes considerados antiamericanos. No entanto, vistas em conjunto, suas atitudes parecem menos um desafio ao Ocidente e mais uma tentativa de reposicionar o Brasil como defensor do multilateralismo e promotor do desenvolvimento do Sul global.
A China, por exemplo, é a maior parceira comercial do Brasil. A visita de Lula a Pequim em abril de 2023, que sucedeu encontros na Argentina e Uruguai, foi natural diante do peso econômico do país asiático. Para além do comércio, Lula declarou interesse em construir uma nova geopolítica e alterar a governança mundial, como já fazia em seus mandatos anteriores. A presença dele na posse de Dilma Rousseff como presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (o banco dos BRICS) em Xangai reforçou esse plano de reduzir a dependência das instituições financeiras do Norte global, como o FMI.
Lula questionou abertamente a hegemonia do dólar e criticou as condições impostas a países pobres por organismos internacionais. Para ele, a ordem financeira atual aprisiona economias emergentes em ciclos de dívida, impedindo avanços sociais. Apesar do desconforto que gerou no Ocidente, esse posicionamento encontra eco entre muitos países em desenvolvimento.
No entanto, a aproximação com a China também teve seu preço. Lula evitou críticas ao regime de Pequim, não mencionou a repressão aos direitos humanos nem se opôs à posição chinesa sobre Taiwan. Esse silêncio provocou questionamentos éticos sobre o real alcance do “pragmatismo” brasileiro.
Ainda assim, sua política externa se baseia em princípios tradicionais do Itamaraty: multilateralismo, não intervenção e busca por soluções pacíficas. Essa abordagem foi evidenciada pela recusa em enviar armas à Ucrânia e pela proposta de um “clube da paz” para mediar o conflito entre Rússia e Ucrânia. Mas Lula causou controvérsia ao afirmar que tanto Rússia quanto Ucrânia tinham responsabilidade pela guerra e chegou a sugerir que Kiev poderia ceder a Crimeia para alcançar a paz.
Essas declarações geraram críticas. Um representante dos EUA acusou Lula de repetir a propaganda russa e chinesa. A União Europeia reafirmou a responsabilidade exclusiva da Rússia, e a Ucrânia também demonstrou insatisfação. Após o desgaste, Lula recuou parcialmente, reiterando sua condenação à violação do território ucraniano, mas manteve a defesa de uma solução negociada.
Em resumo, o Brasil de Lula não é antiamericano — é estratégico. Sua política externa busca afirmar a autonomia brasileira, reduzir a dependência do Ocidente e defender os interesses do Sul global. Para Lula, isso pode significar contrariar velhos aliados em nome de um projeto mais amplo de justiça global, desenvolvimento sustentável e combate à fome. O país deixou de ser um pária. Agora, é pragmático.