Silva é o sobrenome mais comum do Brasil, presente na identidade de cerca de cinco milhões de brasileiros. Utilizado por figuras públicas como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o jogador Neymar da Silva Santos Júnior, ele tem origem em um passado marcado pela escravidão e desigualdade, mas que hoje carrega também um símbolo de resistência e pertencimento.
Fernando Santos da Silva, morador do Rio de Janeiro, representa essa nova visão sobre o nome. Descendente de pessoas escravizadas, ele compartilha o sobrenome com cerca de 150 familiares e o encara como elo entre passado e presente. “Silva é um símbolo de resistência”, afirma.
A trajetória do nome acompanha a história do país. Durante a colonização portuguesa, Silva foi atribuído a muitas pessoas escravizadas, especialmente aquelas levadas às regiões florestais. Padres batizavam os africanos recém-chegados com sobrenomes como Costa ou Silva, de acordo com o destino dentro do território. Posteriormente, proprietários de terra passaram a conceder o sobrenome aos seus cativos, algumas vezes com a partícula “da”, como forma de marcar posse.
Com a abolição da escravidão em 1888, muitos libertos mantiveram o sobrenome, tanto como forma de se identificar com os antigos senhores quanto por laços de trabalho e sobrevivência. O nome cresceu com o tempo, e hoje é compartilhado por pessoas de todas as origens sociais, embora historicamente tenha sido associado à pobreza.
O piloto Ayrton Senna, por exemplo, retirou o Silva de seu nome artístico, atitude comum entre brasileiros que buscavam fugir do estigma. Em contraste, nomes como Anderson Silva e o cantor Silva vêm contribuindo para uma nova leitura pública do sobrenome.
No Complexo do Alemão, Rene Silva apresenta um programa de TV que destaca histórias inspiradoras de pessoas com o nome, reforçando o orgulho da identidade. “Hoje, a gente está em todos os lugares. Somos batalhadores — e estamos vencendo”, diz ele.
No cotidiano, o nome é onipresente. Em um cartório no Rio, é comum ver diversos funcionários e clientes com o mesmo sobrenome, como Tiago Mendes Silva, escrevente, e Juscelina Silva Morais, funcionária de uma lanchonete. Até Tamiê Cordeiro, que planeja se casar com Fernando Santos da Silva, brinca: “Não sou Silva ainda, mas vou ser daqui a pouco”.
A origem do nome remonta à Península Ibérica, sendo associado a áreas florestais e tendo se tornado comum entre nobres portugueses e espanhóis. O primeiro registro no Brasil data de 1612. Desde então, mais de 30 milhões de brasileiros já foram registrados como Silva, segundo a Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen Brasil).
Historiadores e genealogistas tentam rastrear essas origens. Viviane Pompeu explica que a raiz do nome vem de “selva” e aparece repetidamente em contextos ligados a bosques e regiões verdes.
O sobrenome, no entanto, não se limita à dor. Daniel Fermino da Silva, engenheiro e pesquisador da própria genealogia, descobriu que seus ancestrais paternos foram escravizados em Minas Gerais, enquanto os maternos eram senhores de terra em São Paulo. “Minha família é parte da história do Brasil”, reflete.
A trajetória de Lula também está envolta em mistério. Filho de lavradores no Nordeste, o presidente herdou o nome, possivelmente de migrantes judeus ou portugueses que buscaram anonimato e adotaram Silva como forma de se integrar. Segundo o biógrafo Fernando Morais, Lula se vê como “só mais um Silva” — um nome do povo.
No entanto, Silva também revela privilégios. Algumas figuras políticas com o sobrenome têm raízes em famílias que escravizaram pessoas, conforme levantamento da Agência Pública. Esse contraste ressalta as diversas camadas históricas do nome.
A música também retrata essa complexidade. O funk “Era só mais um Silva que a estrela não brilha”, dos anos 1990, narra a trajetória de um jovem negro vítima da violência urbana, marcando a percepção social sobre o sobrenome.
Para Marcelle da Silva Oliveira, moradora do Rio, o nome era sinônimo de dor, já que seu pai foi assassinado por traficantes. Porém, ela transformou esse sentimento em orgulho ao batizar seus seis filhos com o mesmo sobrenome. “Nosso nome é um sinal de sobrevivência”, afirma.
Hoje, ser Silva é carregar o peso de uma história de sofrimento, mas também a força de um povo que transformou um símbolo de submissão em identidade coletiva e motivo de orgulho.