O Haiti enfrenta uma crise humanitária e de segurança sem precedentes, com a capital, Porto Príncipe, à beira de um colapso total. O alerta foi feito nesta quarta-feira (2) pelo secretário-geral-assistente da ONU para Assuntos Políticos, Miroslav Jenca, em reunião do Conselho de Segurança. Segundo ele, a violência de gangues tomou proporções alarmantes e ameaça destruir por completo a presença estatal no país.
Jenca afirmou que as gangues, além de controlarem amplamente Porto Príncipe, avançam para o norte do país. Recentes ataques a cidades como Mirebalais e La Chapelle demonstram a intenção dos criminosos de expandir sua área de atuação. Em La Chapelle, no departamento de Artibonite, um ataque em 22 de junho forçou o deslocamento de quase nove mil pessoas. O número de locais de abrigo improvisado cresce diariamente, com 1,3 milhão de haitianos já vivendo como deslocados internos.
Gangues usam drones e armamento militar para ampliar domínio
O oitavo relatório do Escritório da ONU sobre Drogas e Crime (Unodc), apresentado ao Conselho pela diretora-executiva Ghada Waly, revelou o uso crescente de armamento de uso militar e tecnologia de drones pelas gangues. Os criminosos utilizam drones para monitorar movimentos da polícia e manter o controle sobre territórios dominados.
Essa tática foi empregada, por exemplo, no ataque à Penitenciária de Mirebalais, em março deste ano, quando 529 presos de alta periculosidade fugiram. Em resposta, a chamada "Força-Tarefa" de Segurança Haitiana começou a utilizar drones e explosivos para tentar retomar o controle de áreas ocupadas por grupos armados.
A ONU alerta que o uso desses recursos em zonas densamente povoadas pode ampliar o número de vítimas civis, aumentando ainda mais a instabilidade social.
Missão liderada pelo Quênia enfrenta limitações e precisa de reforços
Mesmo após um ano da chegada da Missão Multinacional de Apoio à Segurança (MSS), liderada pelo Quênia, a situação no país continua crítica. Segundo Jenca, a missão, junto à Polícia Nacional Haitiana, não conseguiu reestabelecer a autoridade estatal. A ONU insiste na necessidade de contribuições voluntárias ao Fundo Fiduciário da MSS para garantir a continuidade da operação.
O secretário-geral da ONU recomenda ainda a criação de um escritório permanente da organização no país, com foco em apoio logístico e operacional, para dar suporte ao esforço internacional de contenção da crise.
Violência em alta e população cada vez mais vulnerável
O Escritório Integrado das Nações Unidas no Haiti (Binuh) registrou, apenas neste ano, mais de 4 mil assassinatos — um aumento de 24% em relação a 2024. Entre as vítimas estão 376 mulheres, 21 meninas e 68 meninos. A violência sexual também teve crescimento acentuado, com 364 casos documentados entre março e abril, cometidos por gangues como forma de aterrorizar e controlar comunidades.
Transição política sob ameaça
O caos na segurança compromete diretamente o processo de transição política em curso no país. A ONU apoia a implementação do acordo firmado em abril de 2024, que prevê referendo constitucional e eleições gerais até fevereiro de 2026. No entanto, com o agravamento do cenário, a realização desse calendário democrático é cada vez mais incerta.
O Binuh tenta promover uma participação mais inclusiva nesse processo, com ênfase na inclusão de mulheres e jovens, mas sem a contenção da violência armada, a transição pode ser inviabilizada.
Sem apoio internacional mais robusto, alerta a ONU, o Haiti caminha para um colapso institucional completo, com consequências humanitárias ainda mais devastadoras para sua população.