O Congresso Nacional recebeu, nesta terça-feira (1º), um caderno com mais de 400 propostas voltadas à construção de uma educação antirracista no Brasil. O documento é resultado de uma consulta pública conduzida entre maio e junho deste ano, que ouviu movimentos negros, indígenas, quilombolas, educadores e conselhos sociais no contexto da formulação do novo Plano Nacional de Educação (PNE) 2024-2034.
A proposta mais recorrente na consulta foi a necessidade de formação de professores com foco antirracista. A Frente Parlamentar Mista Antirracismo do Congresso foi responsável pela elaboração e entrega do documento, que traz diretrizes que buscam enfrentar o racismo estrutural como um obstáculo à qualidade do ensino e à permanência de estudantes em instituições educacionais.
Durante o seminário de entrega do caderno, a deputada Carol Dartora (PT-PR), vice-coordenadora da frente, destacou que pensar em educação no Brasil sem considerar o combate ao racismo é inviabilizar o direito constitucional a uma educação de qualidade. Ela ressaltou a vulnerabilidade das escolas localizadas em comunidades negras, periféricas e quilombolas, que enfrentam carência de recursos didáticos, formação docente inadequada e desrespeito às culturas afro-brasileiras e indígenas.
O novo PNE, que tramita desde maio no Congresso, conta com 18 metas educacionais para os próximos dez anos. A deputada Tabata Amaral (PSB-SP), presidente da comissão especial que analisa o plano e integrante da frente antirracista, será responsável por propor alterações no texto original. A votação está prevista para o início do segundo semestre.
Para Thales Vieira, diretor do Observatório da Branquitude e um dos colaboradores do caderno, as propostas priorizam a correção de desigualdades históricas, herdadas do período escravocrata. Ele defende que contribuir com o PNE é uma forma de beneficiar diretamente estudantes e escolas que sofrem as consequências da ausência de equidade racial.
A educadora Iraneide Silva, da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros, lembrou no evento que a história da educação de pessoas negras no Brasil sempre esteve marcada por exclusão e resistência. Segundo ela, a educação é um instrumento central na busca por igualdade. Já Afonso Gomes, do Coletivo Nacional da Juventude Negra da UNE, enfatizou a importância de políticas que assegurem a permanência dos jovens negros nas escolas e universidades, para evitar o abandono motivado por experiências de racismo.
Além da formação permanente de professores, o caderno defende a efetiva aplicação das leis 10.639/2003 e 11.645/2008, que tornaram obrigatórios os conteúdos sobre cultura e história afro-brasileiras, indígenas e africanas. Também são propostas ações que reconheçam a trajetória dos estudantes, com foco não apenas no acesso, mas também na permanência, especialmente em escolas quilombolas e com a inclusão de materiais didáticos com visões de mundo indígenas.
As propostas destacam que a educação antirracista deve estar na base da formação escolar, indo além de uma abordagem técnica. O documento sugere práticas pedagógicas que dialoguem com o território e as culturas locais, como a arte-educação, a pedagogia de terreiro e a valorização da cultura hip hop. Para viabilizar essas mudanças, é sugerida a atualização dos cursos de licenciatura e pedagogia, criação de polos regionais de formação contínua e a integração entre universidades, movimentos sociais, comunidades e famílias.
Entre as propostas também está a ampliação da Educação para as Relações Étnico-Raciais (ERER), por meio de jogos, livros infantis, exposições e visitas virtuais a terreiros, com foco no enfrentamento ao racismo religioso. A melhoria da educação quilombola é tratada como prioridade urgente, bem como a criação de indicadores étnico-raciais para monitorar desigualdades e registrar dados de alunos com o quesito raça/cor.
Para Tabata Amaral, adotar uma perspectiva antirracista como eixo do novo PNE é fundamental para assegurar um projeto educacional mais justo e inclusivo. Em sua visão, cada criança negra, indígena ou quilombola deve ter direito não apenas a uma vaga na escola, mas a um ensino que valorize sua história, identidade e perspectiva de futuro.