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América Latina
30/06/2025 20:00:00

Golpe da 'vaca virtual' expõe fraude milionária e abala o setor pecuário no Uruguai

Golpe da 'vaca virtual' expõe fraude milionária e abala o setor pecuário no Uruguai

Um dos maiores escândalos financeiros da história recente do Uruguai está abalando a reputação do país como potência pecuária. Envolvendo a empresa Conexión Ganadera, a fraude — baseada em vacas que nunca existiram — movimentou cerca de US$ 400 milhões, afetou milhares de investidores e culminou no suicídio de um dos empresários envolvidos.

Criada em 1999, a Conexión Ganadera oferecia a investidores, principalmente uruguaios e argentinos, a oportunidade de aplicar recursos em gado sem precisar entender de agropecuária. O esquema funcionava sob a promessa de adquirir bovinos em nome dos clientes, repassá-los a produtores rurais e, após o engorde e venda dos animais, retornar lucros que chegaram a ultrapassar 20% ao ano em dólares. No entanto, o negócio que parecia seguro e lucrativo revelou-se um esquema Ponzi.

Em janeiro de 2025, a empresa anunciou que não conseguiria honrar pagamentos a seus 4,3 mil investidores. Em vez dos US$ 400 milhões prometidos, possuía apenas US$ 150 milhões em ativos. Um contador contratado pela própria empresa admitiu que, embora o negócio tenha começado de forma legítima, acabou sustentando suas perdas com a entrada de novos aportes financeiros — prática típica de pirâmides financeiras.

A tragédia ganhou contornos dramáticos quando um dos sócios da empresa, Gustavo Basso, morreu ao colidir seu carro a 211 km/h contra equipamentos de manutenção rodoviária. A perícia concluiu que foi suicídio. Seu sócio, Pablo Carrasco, afirmou não saber da gravidade da situação e alegou que apenas cuidava da parte agropecuária.

Investigações apontam que muitas das vacas registradas em nome de investidores nunca existiram. Apesar de o Uruguai possuir um dos sistemas de rastreamento mais avançados do mundo — com identificação digital e analógica em cada orelha dos animais — a Justiça descobriu que muitos dos dispositivos de marcação estavam guardados em caixas, e não nos animais. As declarações juramentadas de posse, base do controle estatal, foram manipuladas para simular a existência de gado.

Parte dos fundos recebidos pelos sócios da Conexión Ganadera foi desviada para aquisição de frigoríficos, compra de imóveis, veículos de luxo e contas bancárias em paraísos fiscais, como Andorra. Segundo o Ministério Público, 70% a 75% dos investidores não possuíam nenhum animal real vinculado ao contrato firmado com a empresa.

A magnitude do golpe abalou profundamente o setor. Empresários, profissionais liberais, políticos e até sacerdotes caíram na promessa de lucros acima do mercado, que no setor pecuário raramente supera 3,5% ao ano. A confiança no sistema foi tamanha que muitos consideravam o investimento tão seguro quanto um depósito bancário.

A Conexión Ganadera, que chegou a servir de modelo para outras empresas, operava sem fiscalização do Banco Central do Uruguai ao estruturar seus contratos como operações produtivas, e não financeiras. Essa brecha regulatória permitiu a proliferação de modelos semelhantes, com consequências igualmente danosas.

As autoridades agora investigam cerca de 30 empresas associadas ao esquema. Estima-se que o número real de vítimas esteja em torno de 2.000, e os prejuízos, em aproximadamente US$ 220 milhões. A possibilidade de recuperação parcial dos valores é incerta. Muitos investidores relatam desespero e risco à própria saúde mental diante da perda total de suas economias.

O caso expôs não apenas a fragilidade do sistema de rastreamento considerado modelo no mundo, mas também a falta de fiscalização sobre fundos alternativos que se aproveitaram da confiança no setor mais tradicional e simbólico da economia uruguaia.