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Mundo
27/06/2025 00:00:00

Pedidos de asilo de brasileiros disparam no Reino Unido

Pedidos de asilo de brasileiros disparam no Reino Unido

Aumenta significativamente o número de brasileiros solicitando asilo no Reino Unido, refletindo o endurecimento das regras migratórias no país. A diarista Vieira*, de 38 anos, viajou a Londres em fevereiro de 2024 com o plano de permanecer por três anos para juntar recursos e ajudar a família no Brasil. No entanto, após ser denunciada — possivelmente por pessoas ligadas à igreja que frequentava — e escapar de uma abordagem de agentes do Home Office, ela viu no pedido de asilo uma possível alternativa para permanecer legalmente. Esse cenário tem se tornado cada vez mais comum entre brasileiros em solo britânico.

Segundo o Home Office, entre março de 2024 e março de 2025, foram registrados 2,6 mil pedidos de asilo feitos por brasileiros. Desde 2023, a média anual subiu para 2,4 mil, em contraste com apenas 21 registros em 2014. Apenas neste ano, 691 brasileiros recorreram ao asilo, incluindo 52 crianças e adolescentes. Desses, 304 foram considerados "claramente infundados". No fim de março, 2.179 brasileiros aguardavam análise de seus pedidos, com metade esperando há mais de seis meses.

Fenômeno ocorre em meio a políticas migratórias mais rígidas

A elevação dos pedidos ocorre paralelamente à adoção de medidas mais rigorosas por parte do Reino Unido. Desde que o Partido Trabalhista assumiu o governo em julho de 2024, houve promessas de recuperar o controle migratório, com redução de concessões de vistos e aumento das deportações. As solicitações de visto caíram 40% e mil servidores foram remanejados para reforçar a fiscalização nas fronteiras. O número de brasileiros deportados cresceu 30% no último ano.

O pesquisador Mihnea Cuibus, da Universidade de Oxford, explica que o asilo é um dos poucos caminhos para tentar regularizar a permanência, embora seu êxito seja incerto. Além dessa via, só é possível regularizar a situação após duas décadas de moradia no país ou em casos envolvendo filhos nascidos no Reino Unido com mais de sete anos de idade. Segundo ele, embora nem sempre resulte em deportação imediata, o pedido de asilo é frequentemente usado como último recurso para evitar a saída forçada.

Asilo vira saída para brasileiros, mas sucesso é raro

Para o advogado Guilherme Barbosa, que vive no Reino Unido há quase 20 anos, o país vive seu momento mais restritivo em relação à imigração. Ele relembra que até o início da década passada, o visto de estudante era uma porta comum para brasileiros, que podiam depois pleitear residência permanente. Após o Brexit, o endurecimento se intensificou. O aumento de pedidos de asilo é, segundo ele, uma tentativa de contornar as barreiras. Porém, a maioria desses pedidos é negada, pois muitas vezes são apresentados após o requerente ser denunciado.

A diarista Vieira cogitou entrar com o pedido de asilo após se esconder por semanas, mas foi orientada por um advogado a não prosseguir, diante da denúncia já existente. Em grupos de Facebook, o asilo tem sido promovido como alternativa viável, o que contrasta com os dados: desde 2001, apenas 40 brasileiros conseguiram asilo no Reino Unido. De março de 2024 a março de 2025, só 18 obtiveram resposta positiva, enquanto 1.492 foram rejeitados. O Brasil foi o segundo país com mais deportações forçadas de solicitantes de asilo no último ano, com 299 pessoas retornadas.

Para se qualificar ao asilo, é preciso comprovar risco de perseguição por raça, religião, nacionalidade, opinião política, identidade de gênero ou orientação sexual, e demonstrar que o país de origem não oferece proteção. Ainda assim, muitos brasileiros interpretam a entrega do Cartão de Registro de Solicitação (ARC) como garantia de permanência, o que é incorreto. O documento apenas confirma o protocolo do pedido, sem assegurar o direito de permanecer.

Retorno voluntário se torna opção diante do endurecimento

Com dificuldade para conseguir trabalho e moradia após ser denunciada, Vieira decidiu aderir ao retorno voluntário, programa criado em 1999 e reformulado em 2002 para incluir apoio financeiro de até 3 mil libras. No último ano, 907 brasileiros seguiram esse caminho após terem o pedido de asilo negado. Entre agosto de 2024 e janeiro de 2025, quatro voos fretados retornaram 862 brasileiros ao país. O Brasil colaborou na organização dos voos, com a presença de representantes consulares nos embarques e a garantia de que não haveria deportações forçadas.

Para muitos, o retorno não é escolha, mas necessidade, diante das restrições legais, multas a empregadores e proprietários que abrigam imigrantes irregulares, e da vigilância intensificada. A psicóloga Helena*, de 27 anos, e o marido, por exemplo, retornaram ao Brasil em abril após um ano no Reino Unido, devido à pressão e à falta de condições para continuar de forma irregular. Eles optaram por não usar o retorno voluntário para evitar a penalização de cinco anos sem poder voltar ao Reino Unido.

Imigrantes retornam sem alcançar seus objetivos

Vieira, que viveu dois meses no sofá de uma amiga após perder o emprego e o lar, não conseguiu atingir sua meta de juntar recursos para os filhos. Ela retorna com livros de inglês, pares de tênis para as crianças e o desejo de um dia retornar à Europa. A especialista Sonia Parella Rubio, da Universidade Autônoma de Barcelona, alerta que os países de origem precisam oferecer políticas de reinserção aos que voltam após experiências frustradas de imigração.

O Itamaraty confirmou que autorizou o Consulado-Geral em Londres a negociar os voos com o Home Office e declarou que, em casos específicos, também financia o retorno de cidadãos brasileiros. Porém, evitou comentar os pedidos de asilo. Para Vieira, a volta representa mais do que um retorno físico: “Comecei a ser tratada como criminosa e eu não sou”, desabafa.