O jumento, animal historicamente ligado à agricultura familiar no Brasil, está em risco crítico de extinção no país. Segundo alerta do professor Pierre Barnabé Escodro, da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), se o atual ritmo de abates continuar, a espécie pode desaparecer do território nacional até 2030. A preocupação central é a demanda crescente da China pela pele do animal, usada na produção do ejiao, um colágeno popular na medicina tradicional chinesa, ainda sem eficácia comprovada.
Dados da Frente Nacional de Defesa dos Jumentos apontam que, entre 1996 e 2025, mais de um milhão de jumentos foram abatidos no Brasil, reduzindo sua população de 1,37 milhão para pouco mais de 78 mil — uma queda de 94%. Apenas três frigoríficos no país, todos na Bahia, possuem licença federal para o abate, mas a atividade tem sido alvo de críticas por falta de rastreabilidade, indícios de maus-tratos e pela ausência de uma cadeia produtiva sustentável.
O professor Escodro afirma que a prática é essencialmente extrativista. Como os animais não são criados em escala para esse fim, o abate supera em muito a taxa de reprodução, tornando a atividade insustentável. Ele integra uma rede de pesquisadores que participa do evento "Jumentos do Brasil", iniciado nesta quinta-feira (26), em Maceió, e que reúne especialistas nacionais e internacionais para discutir a conservação da espécie.
Em artigo recente publicado na revista Animals, Escodro e outros pesquisadores relataram sinais de inflamação sistêmica em jumentos abandonados destinados ao abate, indicando falhas severas nos cuidados com os animais. Essas condições também motivaram ações judiciais que, desde 2019, suspenderam temporariamente o abate em alguns momentos.
Apesar dos alertas, o Projeto de Lei 1.973/2022, que proíbe o abate de jumentos em todo o Brasil, segue parado no Congresso. Na Bahia, onde se concentra a prática, um projeto semelhante foi barrado na Assembleia Legislativa. O deputado Paulo Câmara (PSDB), relator do texto, afirmou que a atividade é regulamentada, tem importância econômica e que bastaria reforçar a fiscalização. A fala provocou nota de repúdio de entidades de conservação.
O mercado chinês de ejiao movimenta cerca de US$ 6,38 bilhões por ano e leva ao abate de aproximadamente 5,9 milhões de jumentos em todo o mundo. Em regiões do Brasil, como o interior de Alagoas, o valor de um jumento, antes vendido por R$ 100, agora ultrapassa os R$ 400 devido à escassez. A pele do animal pode ser vendida por até US$ 4 mil no mercado internacional.
Pesquisadores defendem alternativas ao abate, como o uso dos jumentos em terapias assistidas, reinserção na agricultura familiar e criação de áreas de conservação. Exemplos citados incluem a região de Jericoacoara (CE), onde cerca de 700 animais vivem relativamente protegidos, e uma fazenda do Detran em Santa Quitéria (CE), que abriga mais de 1,2 mil jumentos.
Além disso, a mobilização pela preservação do animal inclui o lançamento do site Fim do Abate, que pressiona pela aprovação do projeto de lei nacional. No exterior, a União Africana já aprovou uma moratória de 15 anos contra o abate de jumentos para exploração de suas peles, servindo de referência para a defesa da espécie também no Brasil.