Uma investigação da ONG britânica Earthsight revelou que couro bovino proveniente de áreas desmatadas ilegalmente na Amazônia brasileira está sendo utilizado na fabricação de bolsas de marcas de luxo na Europa. O relatório, intitulado O preço oculto do luxo: o que as bolsas de grife da Europa estão custando à Floresta Amazônica, divulgado nesta terça-feira (24/06), expõe que empresas como Coach, Fendi, Hugo Boss, Chanel e Gucci utilizam couro oriundo de gado criado ilegalmente em regiões como a Terra Indígena Apyterewa, no Pará.
A pesquisa se baseou em cruzamento de dados de exportações, decisões judiciais, imagens de satélite e entrevistas de campo. Segundo o levantamento, o couro ilegal passa por um processo de "lavagem" — animais criados em terras embargadas são transferidos para fazendas legalizadas antes do abate. O frigorífico Frigol, citado como um dos principais compradores do gado criado ilegalmente, teria adquirido mais de 17 mil cabeças entre 2020 e 2023 de pecuaristas envolvidos em ações judiciais, o que representa cerca de 425 toneladas de couro.
Após o abate, grande parte do couro é exportada por empresas como a Durlicouros para a Itália, onde é processada por curtumes como Conceria Cristina e Faeda. Esses fornecedores produzem artigos para marcas como Coach, Fendi, Hugo Boss, Balenciaga, Saint Laurent, Chanel e Gucci. O relatório questiona a rastreabilidade desses produtos e a eficiência das certificações ambientais utilizadas, como a do Leather Working Group (LWG), que não exige rastreamento até as fazendas de origem.
As marcas responderam de formas diversas. A Tapestry, dona da Coach, reconheceu desafios na rastreabilidade, enquanto o grupo Kering — responsável por Balenciaga, Gucci e Saint Laurent — alegou que o couro usado por suas marcas não é de origem brasileira. Hugo Boss também negou relação com os fornecedores citados. Já a Durlicouros e o Frigol afirmaram cumprir padrões ambientais e monitorar fornecedores, apesar das falhas apontadas na apuração.
A denúncia surge às vésperas da Conferência da ONU sobre o Clima (COP 30), que será realizada no Pará, e levanta preocupações sobre a contribuição da pecuária para o desmatamento ilegal. Especialistas como Paulo Barreto, do Imazon, alertam para a ausência de um sistema público eficaz que garanta a origem legal do gado. A ONG Earthsight reforça a importância da implementação da nova lei antidesmatamento da União Europeia, prevista para entrar em vigor no fim deste ano, que proibirá a importação de produtos originários de áreas desmatadas.
Além de expor falhas sistêmicas no controle ambiental da cadeia da carne e do couro no Brasil, a investigação cobra maior transparência do governo brasileiro e das grandes marcas internacionais, que continuam lucrando com produtos manchados por crimes ambientais e violações de direitos indígenas.