Entre 2019 e 2023, Alagoas contabilizou 823 notificações de violência contra pessoas idosas, conforme aponta o Boletim Epidemiológico coordenado pela professora Elizabeth de Souza, do curso de Enfermagem da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Os dados, extraídos do DataSUS em abril de 2025, levantam dúvidas sobre a fidelidade dos números diante do cenário real, devido à subnotificação de casos.
Subnotificação, medo e silêncio comprometem os registros
A professora Elizabeth, membro do Grupo de Pesquisa Multiprofissional sobre Idosos (GPMI/Ufal), explica que há diversos fatores que dificultam o registro de ocorrências, como a dificuldade dos profissionais em reconhecer sinais de violência, receio de denunciar por residirem próximos aos agressores, rotatividade de profissionais nas unidades básicas de saúde e o fato de muitos idosos não se identificarem como vítimas ou temerem denunciar familiares.
Lar é o principal cenário da violência, mas lacunas persistem
O levantamento mostra que a maioria dos episódios ocorreu dentro da residência da vítima (428 registros). No entanto, 263 notificações apresentam o campo “local da ocorrência” como ignorado. Outro dado alarmante é o de escolaridade: 450 registros não informam o nível de instrução das vítimas, número superior aos que indicam Ensino Fundamental incompleto (158) ou analfabetismo (122), revelando deficiências no preenchimento dos formulários e fragilidade na produção de dados.
O boletim enfatiza a necessidade de ações de capacitação permanente para profissionais da saúde, além da efetivação de políticas públicas articuladas entre as áreas de saúde, educação e assistência social voltadas à proteção do idoso.
Violência física é a mais comum entre os casos reportados
Entre os tipos de violência registrados, a física aparece como a mais incidente, com 681 notificações. Em seguida, estão os casos de violência psicológica ou moral (173), negligência e abandono (72), violência patrimonial (38), violência sexual (35) e tortura (19). Segundo o boletim, os índices mais baixos de violência sexual e tortura não indicam necessariamente baixa ocorrência, mas sim possível subnotificação motivada por vergonha, medo ou dependência da vítima em relação ao agressor.
O perfil das vítimas indica predominância de homens pardos, e os principais agressores são familiares diretos, como filhos, cônjuges ou pessoas próximas. Esses dados reforçam a importância de refletir sobre as relações familiares e de fortalecer redes de apoio.
Cartilha da Ufal promove conscientização e defesa da dignidade dos idosos
Em paralelo ao boletim, um grupo de 17 estudantes do curso de Serviço Social da Ufal, orientados pela professora Margarida Maria dos Santos, produziu a cartilha “Envelhecer com Dignidade”, lançada na campanha Junho Violeta em parceria com a Secretaria de Estado da Cidadania e da Pessoa com Deficiência (Secdef).
A publicação orienta sobre direitos dos idosos, formas de identificar sinais de violência, canais de denúncia e atualizações legislativas. A cartilha também destaca a substituição do símbolo etarista nas placas de estacionamento prioritário por uma figura ereta acompanhada da inscrição “60+”, promovendo uma representação mais digna da velhice.
Experiência acadêmica com impacto social
Durante a produção do material, os estudantes tiveram contato com relatos reais e reflexões profundas sobre envelhecimento e violência. Para Geovanna Patrícia, a cartilha tem potencial de ampliar o conhecimento da sociedade e fortalecer as denúncias. Ana Luiza Vanzan destacou que respeitar a pessoa idosa é respeitar o próprio futuro, enquanto Evelyn Caroline ressaltou que o projeto permitiu transformar o saber acadêmico em ação concreta de impacto social.
Os dados do boletim e a elaboração da cartilha revelam que o combate à violência contra idosos vai além da estatística: exige empatia, educação e articulação entre as instituições, com o compromisso coletivo de garantir um envelhecimento seguro e digno.