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América Latina
12/06/2025 02:00:00

Atentado contra Miguel Uribe expõe aliciamento de adolescentes por grupos armados na Colômbia

Atentado contra Miguel Uribe expõe aliciamento de adolescentes por grupos armados na Colômbia

Imagens que circularam amplamente nos últimos dias mostraram o momento em que um adolescente, com aparência infantil, jeans e camiseta verde, era imobilizado pela polícia. Ele é apontado como o principal suspeito do atentado contra o senador colombiano Miguel Uribe Turbay, baleado em Bogotá durante um evento político no sábado (7). Uribe, que também é pré-candidato à presidência da Colômbia, permanece internado em estado crítico.

O presidente colombiano Gustavo Petro confirmou que o ataque foi cometido por um jovem de apenas 15 anos, portando uma pistola Glock 9 milímetros de origem norte-americana, uma arma semiautomática comum entre forças de segurança. Segundo Petro, o adolescente já havia deixado voluntariamente um programa educativo de paz oferecido pelo governo distrital.

O jornal El Tiempo revelou que o menor afirmou ter recebido a ordem do atentado de um indivíduo conhecido como "el hombre de la olla", associado a um ponto de tráfico de drogas na capital. As autoridades agora concentram esforços para identificar os mandantes do crime, que reflete uma realidade recorrente e alarmante no país: o recrutamento de menores por grupos armados.

De acordo com a Defensoria Pública da Colômbia, 409 crianças e adolescentes foram recrutados por organizações criminosas em 2024, número superior aos 342 casos registrados no ano anterior. A entidade admite, porém, que esses dados são subestimados.

Com décadas de conflito armado e presença de cartéis, guerrilhas, paramilitares e novos grupos criminosos, milhares de menores têm sido cooptados por essas facções. Max Yuri, diretor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade de Antioquia, destaca que até as forças de segurança já utilizaram menores em operações secretas durante o conflito.

Herança de violência e os "meninos pistoleiros"

Nos anos 1980, a prática de recrutar adolescentes para assassinatos se tornou notória com Pablo Escobar. Os jovens chamados de "suizos" eram usados em missões suicidas. John Arias Tascón, o "Pinina", iniciou sua atuação com Escobar aos 15 anos e foi apontado como responsável por uma série de crimes, incluindo o atentado ao voo Avianca 203 e o assassinato do ministro da Justiça Rodrigo Lara Bonilla.

Casos como o de Andrés Arturo Gutiérrez Maya, que aos 14 anos matou o candidato presidencial Bernardo Jaramillo Ossa em 1990, e de Gerardo Gutiérrez, o "Yerry", acusado de assassinar o candidato Carlos Pizarro Leongómez, mostram como os menores foram usados em ações de alto impacto político.

Crianças como instrumento de guerra e criminalidade

O recrutamento de menores é impulsionado pela exclusão social, ausência do Estado e lacunas no sistema penal juvenil colombiano, como explica Jorge Mantilla, especialista em criminologia. Menores urbanos ingressam no crime em busca de ascensão econômica, enquanto os do campo são aliciados sob ameaças às famílias.

Eles são considerados mão de obra barata e facilmente substituível, sendo usados para portar armas, traficar drogas, praticar extorsões, executar assassinatos e, em alguns casos, esquartejamentos.

A Jurisdição Especial para a Paz (JEP) estima que as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) recrutaram mais de 18 mil crianças entre 1996 e 2016. Apesar do acordo de paz assinado naquele ano, a violência continua com a atuação de outras facções, como o Exército de Libertação Nacional (ELN), dissidências das Farc e o Clã do Golfo.

Recrutamento digital e desaparecimentos

Em 2024, a BBC revelou que grupos armados passaram a utilizar plataformas como o TikTok para aliciar menores em regiões remotas. Dos 409 casos registrados no ano, 300 ocorreram no departamento de Cauca, onde o cultivo de coca e o conflito são intensos. Putumayo e Valle del Cauca também estão entre os focos do problema.

O Estado Maior Central (EMC), uma dissidência das Farc, foi apontado como o principal responsável pelos recrutamentos, com 135 casos. Estimativas apontam que o recrutamento forçado pode ter aumentado até 1.200% após a pandemia.

Conforme o Instituto Nacional de Medicina Legal, foram registrados 1.953 desaparecimentos de menores em 2024, sendo que mais da metade ainda não foi localizada — levantando a suspeita de que muitos tenham sido levados por grupos armados.

O atentado contra Miguel Uribe e a revelação de que foi executado por um adolescente expõem mais uma vez a fragilidade de milhares de jovens colombianos diante da violência e do abandono estatal.