O Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu, nesta semana, a fase de interrogatórios do grupo inicial de réus acusados de participar da articulação golpista para manter Jair Bolsonaro no poder após sua derrota nas eleições de 2022. Além do ex-presidente, outros sete ex-auxiliares prestaram depoimento.
Os oito interrogados são apontados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) como integrantes do "núcleo crucial" da tentativa de golpe: Mauro Cid, Alexandre Ramagem, Almir Garnier, Anderson Torres, Augusto Heleno, Jair Bolsonaro, Paulo Sérgio Nogueira e Walter Braga Netto.
Mauro Cid: “Bolsonaro revisou minuta do golpe”
No dia 9 de junho, Mauro Cid confirmou a existência de uma tentativa de golpe e afirmou ter presenciado parte dos fatos, embora negue envolvimento direto e conhecimento prévio dos ataques de 8 de janeiro de 2023. Ele disse que não sofreu coação para firmar delação.
Segundo Cid, Bolsonaro recebeu, no fim de 2022, uma minuta de decreto prevendo nova eleição e a prisão de autoridades. O ex-presidente teria removido os trechos que previam a prisão de ministros, mantendo apenas o nome de Alexandre de Moraes.
Cid relatou ainda pressão sobre os comandos das Forças Armadas para aderirem a um Estado de Defesa ou de Sítio. Afirmou que o almirante Almir Garnier foi o único comandante que apoiou o plano. Também revelou que o general Estevam Theophilo teria dito que o Exército cumpriria a ordem se Bolsonaro assinasse o decreto.
Outro ponto mencionado foi o repasse de uma caixa de vinho contendo dinheiro vivo, entregue a mando de Braga Netto a um militar suspeito de planejar assassinatos de autoridades. Braga Netto também seria o elo com os acampamentos golpistas em frente aos quartéis.
Cid ainda declarou que Bolsonaro pressionou o então ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, a produzir um relatório que sugerisse fraude nas urnas, o que não se concretizou.
Alexandre Ramagem: “Anotações contra urnas eram privadas”
Ramagem, ex-diretor da Abin, negou a existência de uma "Abin paralela" e que tenha ordenado monitoramentos ilegais. Ele também refutou a acusação de ter fornecido informações falsas a Bolsonaro sobre as urnas, alegando que os documentos eram privados e de sua autoria, sem divulgação.
Almir Garnier: “Nunca disponibilizei tropas para golpe”
O ex-comandante da Marinha negou que tenha colocado suas tropas à disposição de Bolsonaro, contradizendo o que relataram os ex-comandantes do Exército e da Aeronáutica. Garnier confirmou a discussão de medidas para garantir a ordem, mas negou ter visto ou recebido a minuta golpista.
Ele também comentou sobre o desfile de tanques de guerra na Esplanada dos Ministérios, em 2021, afirmando que já estava programado antes da votação da PEC do voto impresso e não teve caráter intimidatório.
Anderson Torres: “Nunca discuti minuta do golpe”
O ex-ministro da Justiça afirmou que a minuta de decreto golpista encontrada em sua casa foi parar ali por engano e que deveria ter sido descartada. Disse que o documento não era de sua autoria e que jamais tratou do assunto com Bolsonaro.
Torres negou omissão nos atos de 8 de janeiro, alegando que deixou protocolos preparados antes de sair de férias. Ele também afirmou que perdeu o celular nos Estados Unidos após receber a notícia de sua prisão, negando intenção de obstruir investigações.
Augusto Heleno: silêncio diante do STF
O general da reserva optou por responder apenas às perguntas de seus advogados, recusando-se a prestar esclarecimentos ao STF e à PGR. Negou ter orientado a Abin a produzir relatórios falsos ou participado de reuniões golpistas.
Paulo Sérgio Nogueira: “Alertei Bolsonaro”
O ex-ministro da Defesa afirmou que alertou Bolsonaro sobre os riscos de um estado de exceção. Segundo ele, a reunião de 7 de dezembro de 2022 foi apenas uma troca de ideias diante da tensão política do período. Ele convocou nova reunião dias depois por receio de rupturas nas Forças.
Nogueira negou ter sofrido pressão para alterar relatórios sobre as urnas e declarou não ter tratado de qualquer minuta de golpe com os comandantes militares. Também rejeitou ter se reunido com o hacker Walter Delgatti.
Walter Braga Netto: “Não entreguei dinheiro nem assediei comandantes”
Preso desde dezembro de 2024, Braga Netto negou ter entregue dinheiro a Mauro Cid ou feito ataques a comandantes militares. Disse que procurou o partido PL para tratar de “pendências de campanha”, mas o assunto não evoluiu.
Sobre a frase "Lula não sobe a rampa", constante em um documento encontrado em seu gabinete, Braga Netto afirmou desconhecer o conteúdo e negou relação com o planejamento de atos golpistas. Disse que ficou horrorizado com os ataques de 8 de janeiro, classificando-os como vandalismo.
Crimes apontados na denúncia da PGR
Os réus são acusados pelos seguintes crimes:
Organização criminosa: de 3 a 8 anos de prisão.
Abolição violenta do Estado Democrático de Direito: de 4 a 8 anos de prisão.
Golpe de Estado: de 4 a 12 anos de prisão.
Dano qualificado: de 6 meses a 3 anos de prisão.
Deterioração de patrimônio tombado: de 1 a 3 anos de prisão.
Próximos passos do processo
A fase de interrogatórios marca o encerramento da instrução processual. A defesa e a acusação ainda poderão pedir novas diligências. Após isso, ambas devem apresentar alegações finais no prazo de 15 dias.
O relator Alexandre de Moraes então elaborará seu voto, e o processo será liberado para julgamento pela Primeira Turma do STF, presidida por Cristiano Zanin. Caberá aos ministros Zanin, Moraes, Cármen Lúcia, Luiz Fux e Flávio Dino decidirem pela condenação ou absolvição dos acusados.