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Política
07/06/2025 18:00:00

Vinte Anos Depois, Escândalo do Mensalão Ainda Ecoa na Política e no Judiciário Brasileiro

Vinte Anos Depois, Escândalo do Mensalão Ainda Ecoa na Política e no Judiciário Brasileiro

Duas décadas após a denúncia do mensalão, o Brasil ainda sente os reflexos daquele que foi um dos maiores escândalos políticos da história recente do país. Em 6 de junho de 2005, o então presidente do PTB, Roberto Jefferson, revelou à imprensa um esquema de compra de votos de parlamentares da base aliada do governo do PT, durante o primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A acusação envolvia pagamentos mensais de R$ 30 mil a deputados em troca de apoio político, com recursos desviados de contratos públicos por meio de agências de publicidade ligadas ao empresário Marcos Valério.

A denúncia atingiu diretamente a cúpula do PT e levou à abertura de um processo judicial que resultou, em 2006, na acusação de 40 pessoas pela Procuradoria-Geral da República. O julgamento no Supremo Tribunal Federal, iniciado em 2012 e concluído em 2013, terminou com a condenação de 25 réus, incluindo nomes como José Dirceu, José Genoíno, Delúbio Soares e João Paulo Cunha.

Embora Lula não tenha sido formalmente implicado no processo, o mensalão provocou danos profundos ao seu partido, que perdeu lideranças importantes e passou a depender cada vez mais de sua figura central. O episódio também marcou a entrada do Judiciário na cena política de maneira inédita, com o julgamento transmitido ao vivo e o STF ganhando protagonismo perante a opinião pública. O relator do processo, ministro Joaquim Barbosa, tornou-se um símbolo de combate à corrupção e figura nacional de destaque.

Além da crise política interna no PT, o mensalão revelou dificuldades estruturais do partido em formar coalizões estáveis no Congresso. A cientista política Beatriz Rey observa que o PT sempre manteve uma linha ideológica mais definida, o que complicou acordos com siglas de diferentes perfis. Essa tensão continua nos governos posteriores de Lula, que, mesmo formando amplas alianças, enfrenta desafios para acomodar interesses divergentes.

O escândalo também contribuiu para o crescimento do sentimento antipetista, que alimentaria a polarização política nos anos seguintes. Flávia Biroli, professora da UnB, aponta que o mensalão foi decisivo para a desilusão popular com o PT, partido que havia se apresentado como uma alternativa ética no cenário político. Essa desilusão, segundo ela, foi explorada pela extrema direita e contribuiu para a ascensão de Jair Bolsonaro.

Do lado de figuras envolvidas no escândalo, muitos retornaram à política. Roberto Jefferson, apesar de ter sido condenado, reassumiu o comando do PTB e se alinhou aos governos Temer e Bolsonaro, sendo preso novamente em 2022 por ataque armado contra a polícia. Valdemar Costa Neto, também condenado, recebeu indulto e atualmente lidera o PL, maior bancada da Câmara dos Deputados.

Mesmo após a reeleição de Lula em 2006 e a eleição de sua sucessora Dilma Rousseff em dois mandatos, a imagem do partido nunca se recuperou completamente. O mensalão foi sucedido por novos escândalos, como o petrolão e a Operação Lava Jato, que levaram à prisão de Lula em 2017. A condenação, contudo, foi anulada em 2021 pelo STF, por entender que o juízo de Curitiba, comandado por Sergio Moro, era incompetente para julgar o caso. Em 2022, Lula voltou à Presidência.

O escândalo também alterou o papel do STF, que passou de um poder quase invisível no debate público para ator central da política brasileira. Segundo o jurista Álvaro Palma de Jorge, o julgamento do mensalão transformou o Supremo em guardião da moralidade pública, com ministros sendo acompanhados e julgados pela população, em meio a grande exposição midiática.

Esse protagonismo do Judiciário seguiu nas operações posteriores e permanece até hoje, com o STF atuando em julgamentos que afetam diretamente os outros dois poderes, como o caso dos atos golpistas de 8 de janeiro. Para Palma de Jorge, no entanto, há um risco crescente na politização da imagem do Judiciário. Atribuir aos ministros motivações políticas em decisões sobre corrupção pode, segundo ele, deslegitimar a instituição e minar a confiança pública em sua atuação.

Vinte anos depois, o mensalão permanece como marco divisório na história republicana brasileira, tanto pela exposição da corrupção em altos escalões do poder quanto por desencadear transformações profundas nas instituições, nos partidos e na relação entre Estado e sociedade.