Diante do prolongado conflito na Ucrânia e da retração dos Estados Unidos em relação às garantias de segurança transatlântica, a Europa começa a abandonar décadas de postura pacifista e caminha para um novo paradigma: o da economia de guerra. Embora o termo não tenha definição oficial, ele descreve uma situação em que o país mobiliza sua indústria, recursos e mão de obra em larga escala para fins militares.
Esse processo envolve a priorização da produção de armamentos, munições e tecnologias de defesa em detrimento de bens de consumo, exigindo forte intervenção estatal, redirecionamento de matérias-primas e, em alguns casos, até racionamento de itens básicos como combustíveis e alimentos. O impacto recai também sobre a sociedade civil, com aumento de impostos, inflação, redução de benefícios sociais e maior endividamento público.
Segundo especialistas como Penny Naas, do Fundo Marshall Alemão, e Armin Steinbach, da escola HEC Paris, as maiores beneficiárias desse novo cenário são empresas do setor bélico, tecnológico, de inteligência e farmacêutico, que impulsionam inovações com aplicação civil e militar.
O caso da Ucrânia ilustra uma economia de guerra em estado avançado: o país, sob constante ataque da Rússia, destina 58% de seu orçamento a gastos militares. Fábricas foram convertidas para produção bélica e profissionais civis, mobilizados para o esforço de guerra. A Rússia, embora em posição de agressora, segue caminho semelhante com aumento de gastos, controle de capitais e priorização da indústria militar.
Outras nações, como Israel, Mianmar, Sudão e Iêmen, também adotam elementos de economia de guerra, afetadas por conflitos internos e externos. Israel, por exemplo, elevou impostos e redirecionou recursos para sustentar sua mobilização militar.
Na Europa, a percepção da fragilidade da aliança com os EUA, especialmente com a possibilidade de retorno de Donald Trump à presidência, levou a União Europeia a adotar medidas inéditas. Em março de 2025, a Comissão Europeia anunciou um plano de defesa de 800 bilhões de euros, com parte em empréstimos e outra parcela oriunda da flexibilização das regras fiscais. A Alemanha, por sua vez, aprovou mudanças constitucionais para retirar os gastos militares do teto de déficit, permitindo uma reestruturação sem precedentes de sua política de defesa.
Essas transformações indicam que a Europa começa a assumir maior responsabilidade por sua própria segurança. Embora ainda em estágio inicial, o discurso político já aponta para maior integração militar, desenvolvimento conjunto de tecnologias e fortalecimento da base industrial de defesa, em um movimento que marca o fim de uma era de desmobilização pós-Guerra Fria e o início de um ciclo voltado para a autodefesa e prontidão militar prolongada.