Quarenta pessoas ficaram feridas durante a entrega de ajuda humanitária em Rafah, no sul da Faixa de Gaza, na terça-feira (27), em meio a uma corrida desesperada por alimentos após meses de bloqueio imposto por Israel. A cena caótica ocorreu em um centro de distribuição operado pela Fundação Humanitária de Gaza (GHF), entidade privada norte-americana apoiada pelos Estados Unidos e autorizada por Israel, cuja atuação tem sido amplamente criticada por agências humanitárias internacionais.
O episódio aconteceu quando milhares de palestinos, desesperados pela falta de suprimentos básicos, tentaram acessar o local da distribuição. Segundo Ayman Abu Zaid, um deslocado presente na fila, o tumulto começou quando muitas pessoas começaram a invadir desordenadamente a área. “Isso aconteceu por causa da escassez de ajuda e do atraso na distribuição. Tentaram pegar o que podiam”, relatou ele à AFP.
Testemunhas afirmam que, em meio à confusão, soldados israelenses dispararam tiros para dispersar a multidão. Apesar disso, várias pessoas insistiram em permanecer para recolher os suprimentos. Ajith Sunghay, chefe do Escritório do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos nos Territórios Palestinos Ocupados, afirmou que cerca de 47 pessoas ficaram feridas, muitas delas atingidas por disparos do exército israelense.
O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, reconheceu uma "perda momentânea de controle" por parte das forças armadas, que alegaram ter feito apenas disparos de advertência. O exército garantiu que a segurança das tropas não foi comprometida e que a distribuição de ajuda seguirá conforme planejado.
A Fundação Humanitária de Gaza, responsável por organizar a entrega de alimentos duas vezes por mês, declarou que sua equipe precisou se retirar do local devido ao grande número de pessoas, permitindo que alguns moradores recebessem a ajuda com mais segurança. A fundação também atribuiu os atrasos a bloqueios impostos pelo Hamas em Rafah.
Apesar de sua atuação, a GHF tem sido alvo de críticas severas por parte da ONU e de diversas organizações humanitárias. As Nações Unidas recusam qualquer cooperação com a entidade, acusando-a de comprometer os princípios da ajuda humanitária ao favorecer interesses militares israelenses, ignorar a ONU e excluir a população palestina. O porta-voz do secretário-geral da ONU, Stéphane Dujarric, classificou as imagens do tumulto como “de partir o coração” e reiterou que a ONU possui um plano de assistência sólido e baseado em princípios, respaldado pelos Estados-membros.
Washington reagiu às críticas da ONU com dureza, considerando-as "o cúmulo da hipocrisia". A GHF, registrada em Genebra desde fevereiro, não possui sede ou representantes conhecidos na cidade. No último domingo (25), o então diretor executivo da fundação, Jake Wood, renunciou ao cargo, afirmando que era impossível continuar o trabalho respeitando os princípios humanitários de neutralidade e independência.
Enquanto isso, a população de Gaza enfrenta uma crise aguda de desnutrição. Comida se tornou um recurso escasso e vital. Moradoras do enclave, contatadas por telefone pela RFI, relataram a luta diária para alimentar seus filhos em meio à fome e ao frio. “O que vivemos não é vida. Onde está o mundo?”, questionou uma das entrevistadas. “Minha filha não resistiu nem à desnutrição, nem ao frio”, lamentou.