O Ártico, que representa cerca de 4% da superfície do planeta, deixou de ser apenas símbolo da crise ambiental e passou a ocupar o centro das atenções estratégicas globais. O aquecimento acelerado da região — quatro vezes mais rápido que em outras partes do mundo — vem revelando uma nova fronteira de oportunidades econômicas e geopolíticas, atraindo o interesse de países como China, Rússia, Estados Unidos e membros da Otan. Segundo informações da BBC, o derretimento das calotas polares tem aberto acesso a vastas reservas de petróleo e gás, além de novas rotas comerciais que prometem transformar o transporte marítimo internacional.
Estima-se que cerca de 30% do gás natural ainda não explorado esteja concentrado no Ártico. Paralelamente, a abertura de passagens navegáveis entre a Ásia e a Europa pode encurtar trajetos comerciais, levando a mudanças profundas na logística global. A China, por exemplo, aposta na criação da “Rota da Seda Polar” e já tem planos para fazer do porto norueguês de Kirkenes o principal ponto de entrada na Europa para seus cargueiros.
Contudo, o papel de Pequim causa divisões entre os habitantes de Kirkenes, cidade localizada dentro do Círculo Polar Ártico e a poucos quilômetros da fronteira russa. O diretor do porto, Terje Jørgensen, esclarece que a proposta é transformar o local em um ponto estratégico de transbordo entre América do Norte, Europa e Ásia, mas sem ceder propriedade para potências estrangeiras. Já o prefeito Magnus Maeland reforça a preocupação com a autonomia regional e alerta para o risco de dependência de regimes autoritários.
Com dificuldades de expandir sua influência nos países escandinavos, a China vem estreitando laços com a Rússia, país que possui metade da linha costeira do Ártico e abriga sua Frota do Norte na Península de Kola. Em 2023, os dois países realizaram patrulhas conjuntas e treinamentos militares, fortalecendo uma parceria que combina interesses comerciais e estratégicos. Segundo Andreas Osthagen, do Fridtjof Nansen Institute, Moscou ainda mantém reservas quanto ao envolvimento chinês profundo no Ártico, apesar da cooperação em curso.
O avanço das operações militares na região preocupa nações vizinhas como a Noruega. Em Bodo, onde fica o comando militar conjunto norueguês, instalado dentro de uma montanha, as Forças Armadas monitoram constantemente os movimentos russos e compartilham dados com os aliados da Otan. Para o vice-almirante Rune Andersen, essa vigilância não protege apenas a Europa, mas também os Estados Unidos, diante das ameaças representadas pelas armas estratégicas russas.
Enquanto as potências mundiais se posicionam, comunidades indígenas que habitam o Ártico há gerações denunciam um novo ciclo de exploração. Miyuki Daorana, jovem ativista Inughuit da Groenlândia, acusa as potências de praticarem uma nova forma de colonialismo, agora sob a justificativa do progresso. “Chamamos isso de colonialismo verde, ou agressão desenvolvimentista. Querem simplesmente continuar extraindo mais e mais das nossas terras. O Ártico não é só um tema para nós. É literalmente nossa vida.”