Embora o consumo de cigarros contrabandeados tenha recuado no Brasil em 2024, a região Nordeste segue na contramão e registra crescimento expressivo da comercialização de produtos ilegais, que têm servido de fonte de financiamento para o crime organizado. Os dados fazem parte de um estudo realizado pelo Ipec a pedido do Fórum Nacional contra a Pirataria e a Ilegalidade (FNCP), revelando que, enquanto a média nacional de consumo de cigarros ilegais é de 32%, no Nordeste esse percentual chega a 43%.
Estados como Maranhão, Piauí e Rio Grande do Norte apresentam os índices mais elevados. No Maranhão, 70% dos cigarros comercializados são ilegais, gerando prejuízo de R$ 111 milhões em ICMS e uma movimentação estimada de R$ 356 milhões para o crime organizado. No Piauí e no Rio Grande do Norte, a ilegalidade domina cerca de 68% do mercado. No caso piauiense, o rombo fiscal no último ano foi de R$ 135 milhões.
Estima-se que, em todo o país, a venda de cigarros contrabandeados tenha movimentado cerca de R$ 9 bilhões em 2024, com uma evasão fiscal de R$ 7,2 bilhões. Apenas no ano passado, foram comercializadas aproximadamente 34 bilhões de unidades de cigarro ilegal no Brasil.
Para o presidente do FNCP, Edson Vismona, o avanço do contrabando se dá por uma combinação de fatores. Um deles é a alta carga tributária que incide sobre os cigarros legais, ultrapassando 70% do valor final, o que torna os produtos ilegais — que não pagam impostos — muito mais atrativos, chegando a custar menos da metade do preço dos legalizados. Além disso, o crime organizado tem investido em novas rotas de entrada no país, com destaque para o corredor do Suriname, que vem ganhando importância para abastecimento do Norte e Nordeste.
O contrabando, que tradicionalmente era feito por via terrestre a partir do Paraguai, com entrada pelo Paraná e Mato Grosso do Sul, passou a usar também rotas que incluem Bolívia e Chile, chegando por via marítima através do Suriname e da Guiana Francesa. Apesar do custo mais alto, o tráfico se mantém lucrativo e serve como uma das principais fontes de renda das facções criminosas.
Segundo Vismona, o comércio ilegal de cigarros está frequentemente ligado a crimes mais graves, como tráfico de armas, drogas, lavagem de dinheiro, sequestros e homicídios. Delegados da Polícia Federal reforçam essa visão. Em Mossoró, no Rio Grande do Norte, o delegado Igor Chagas, que comanda operações contra o contrabando desde 2019, relata que grupos criminosos do Pará atuam buscando carregamentos no Suriname e retornam ao país por trechos pouco fiscalizados do litoral.
O delegado Gilberto Pinheiro, da delegacia de repressão a crimes fazendários da PF no Rio Grande do Norte, afirmou que o extenso litoral do estado facilita esse tipo de atividade criminosa. Para ele, os impactos vão além da perda de arrecadação: “o entorno, os crimes violentos, é que maculam”.
A pobreza em muitas áreas do Nordeste também favorece o consumo dos produtos ilegais, segundo Vismona, que aponta a diferença de preços como um fator determinante. Ele destaca que o problema precisa ser tratado como uma questão nacional, já que fragiliza a economia, compromete a saúde pública e fortalece o crime organizado em larga escala.