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Acidente
27/05/2025 20:00:00

Indígenas são marcados com ferro em brasa em ilha de criação de gado no Tocantins; ninguém foi responsabilizado

Indígenas são marcados com ferro em brasa em ilha de criação de gado no Tocantins; ninguém foi responsabilizado

Dois casos graves de violência contra indígenas foram registrados em menos de um ano na Ilha do Bananal, no estado do Tocantins. Uma criança de 6 anos e um adolescente de 15 anos foram marcados com ferro em brasa — instrumento utilizado para identificar rebanhos bovinos. Até o momento, nenhum dos agressores foi responsabilizado judicialmente.

O caso mais recente ocorreu em 28 de abril deste ano. O adolescente ajudava o tio na lida com o gado, uma atividade comum na região, quando foi queimado nas costas com o mesmo ferro usado para marcar uma bezerra. O responsável pela agressão seria um vaqueiro que participou da ação. Horas depois, com o surgimento das bolhas, o jovem contou à mãe o que havia acontecido.

“O menino foi levado à cidade, consultado por um médico, e ficou constatada a queimadura de segundo grau”, relatou a mãe, Sônia*. Segundo ela, o trauma abalou toda a família. “Meu marido não está bem. Isso mexeu com todos nós. Acredito que houve preconceito, sim”, afirmou.

Apesar da gravidade, nenhum dos envolvidos foi chamado a depor até agora. A vítima também não prestou depoimento à polícia. O agressor deixou a ilha a pedido dos indígenas e está proibido de retornar. A ocorrência foi registrada como lesão corporal dolosa na delegacia de Formoso do Araguaia, que instaurou um inquérito após o exame de corpo de delito. A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), por meio da Procuradoria Federal Especializada, acompanha o caso e cobra rigor na apuração dos fatos.

Violência recorrente

Em outubro de 2024, um menino Karajá de 6 anos também foi queimado com ferro em brasa no braço enquanto brincava na aldeia. Conforme a Defensoria Pública do Estado do Tocantins, o acusado era encarregado de uma fazenda de gado na ilha. “É um caso que pode se configurar como tortura e tentativa de subjugação dos indígenas”, disse a defensora Letícia Amorim. Uma decisão judicial determinou que o acusado mantenha distância mínima de 300 metros da vítima e de seus familiares.

Criação de gado na Ilha do Bananal

A Ilha do Bananal, maior ilha fluvial do mundo, está situada entre os rios Javaé e Araguaia e abriga povos indígenas Karajá, Javaé e Avá-Canoeiro. Além dos indígenas, a ilha abriga cerca de 100 mil cabeças de gado, boa parte pertencente a arrendatários, pessoas de fora que utilizam o território indígena para pecuária.

Em 2019, dados da Agência de Defesa Agropecuária do Tocantins apontavam 116.796 bovinos registrados na ilha, sendo apenas 17,75% pertencentes a indígenas. O restante do rebanho pertence a terceiros, apesar das restrições legais quanto ao uso de terras indígenas.

Riscos ambientais e sociais

A presença do gado e os arrendamentos são apontados como causas de conflitos, danos ambientais e episódios de violência. Em 2024, um incêndio destruiu a Mata do Mamão, área com presença de indígenas isolados. “Esses focos de incêndio têm relação direta com a prática comum entre criadores de gado de atear fogo para renovar o pasto”, explicou Marcelo*, agente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

O Ministério Público Federal recomendou, ainda em dezembro de 2024, a retirada de todo o gado pertencente a não indígenas da ilha até agosto de 2025. Porém, após diálogo com lideranças locais, o prazo foi prorrogado para dezembro do mesmo ano. Segundo o Cimi, a prática dos arrendamentos continua sendo altamente prejudicial às comunidades indígenas e ao meio ambiente.

“Nós já vimos esse cenário antes. No início dos anos 2000, mais de 90 mil cabeças de gado foram retiradas da região, mas logo voltaram. Esses episódios de violência estão acontecendo em meio a uma disputa tensa sobre o uso da terra”, acrescentou Marcelo.

*Nomes alterados por razões de segurança dos entrevistados.