Aposentados e pensionistas do INSS têm relatado uma série de abusos envolvendo o uso indevido de seus dados pessoais por empresas e instituições financeiras. Além dos já conhecidos descontos indevidos, muitos relatam sofrer com ligações insistentes, ameaças de bloqueio do benefício e até mesmo contratos e empréstimos assinados sem autorização.
As denúncias ganharam força em meio aos esforços do Instituto Nacional do Seguro Social para descobrir de que forma dados sensíveis como nome completo, CPF, número do benefício, data de nascimento e telefone chegaram ao conhecimento de terceiros. Os relatos mostram que os aposentados buscam amparo em canais como Procon, sites de reclamação e até na Justiça, em tentativas frustradas de frear os abusos.
Ameaças durante ligações
A dona de casa Cleide Dantas, aposentada desde 2023, contou que recebeu uma ligação de uma suposta central de aposentados. No áudio, obtido pela CNN, a atendente se dizia parceira do INSS e oferecia um cartão com descontos em farmácias e mercados. Quando Cleide recusou a oferta, a atendente ameaçou: “Referente ao seu benefício da matrícula *** está bloqueado. A senhora vai ter que aguardar 90 dias”. Assustada, Cleide desligou e confirmou com o INSS que não havia qualquer registro de bloqueio.
Assédio diário
A psicóloga Idalucia Garcia, de 71 anos, viúva e moradora de São Paulo, relatou que há anos é alvo de ligações diárias oferecendo serviços que nunca solicitou. Em uma dessas abordagens, uma empresa chegou a afirmar que havia uma apólice de seguro de vida já emitida em seu nome, com todos os dados preenchidos.
Idalucia considera o volume de ligações um caso de assédio moral, já que as abordagens são constantes e apelam para o cotidiano dos idosos, com promessas de descontos em farmácias, seguros e outros produtos voltados à terceira idade.
Descontos por serviços nunca contratados
O torneiro mecânico Dimas Coimbra, de 71 anos, que vive em Franca (SP), também enfrentou diversas fraudes em seu nome. Mesmo aposentado desde os 63 anos, ele continua trabalhando para complementar a renda de cerca de R$ 2.500. Dimas relata que sofreu ao menos cinco golpes, incluindo a cobrança de um cartão que nunca recebeu, a inclusão em um plano funerário de Porto Alegre — cidade onde nunca esteve —, e um empréstimo de R$ 2 mil supostamente feito presencialmente, mesmo sem haver uma agência bancária em sua cidade.
Outro caso citado por ele foi a inscrição em um plano de benefícios do Rio de Janeiro no valor de R$ 68 mensais, que daria acesso a um clube local. “Nunca fui ao Rio, não pretendo ir, e ainda mais pra frequentar esse clube. Com aval de quem?”, questiona.
Dinheiro desaparecendo sem explicação
A pensionista Claudia Sobral dos Santos, de Bauru (SP), descobriu por acaso descontos de R$ 80 mensais de uma associação desconhecida. Ao tentar reaver o valor pelo aplicativo do INSS, não conseguiu concluir o processo por causa de um erro no cadastro. Indignada, ela desabafou: “Pode não fazer falta pra muita gente, mas pra quem é aposentado e pensionista, R$ 80 dá pra comprar carne, fruta, legumes. É um dinheiro que está fazendo muita falta”.
Vazamento de dados sob suspeita
O especialista em cibersegurança Carlos Alberto Costa, presidente do Instituto Brasileiro de Segurança, Proteção e Privacidade de Dados, afirmou que o histórico do INSS é problemático no que diz respeito à proteção de informações. Ele lembrou que em 2022 o órgão foi condenado pela Agência Nacional de Proteção de Dados após o vazamento de milhões de CPFs e dados bancários.
Em fevereiro de 2025, um hacker afirmou nas redes ter acesso a mais de 39 milhões de registros de beneficiários. Embora não haja confirmação oficial, o episódio levou o INSS a reforçar a segurança de seu aplicativo, incluindo a exigência de biometria.
Costa também citou investigação do Tribunal de Contas da União em 2023, que identificou mais de 400 credenciais comprometidas dentro do sistema do INSS, além do risco representado por parceiros e prestadores de serviço ligados ao órgão.
Investigação em andamento
O presidente do INSS, Gilberto Waller, declarou à CNN que a Polícia Federal e a Controladoria-Geral da União estão investigando como as empresas conseguiram acesso às informações dos segurados. Ele afirmou que há um esforço interno para melhorar os sistemas e eliminar possíveis fontes de vazamento.
“O INSS vem adotando procedimentos internos de melhoria nas suas redes, na sua segurança, no que pode ser informado para as instituições”, afirmou. Enquanto isso, os aposentados seguem em alerta, tentando recuperar valores perdidos e se proteger de novos golpes.