A guerra na Ucrânia provocou uma reviravolta na indústria de drones da Rússia, que passou de projetos improvisados a um dos setores mais lucrativos e estratégicos do país. Desde 2022, o segmento recebeu mais de 200 bilhões de rublos (aproximadamente R$ 14 bilhões) em aportes e movimenta, atualmente, cerca de 130 bilhões de rublos por ano (R$ 9,1 bilhões) em receitas. Apesar de muitas empresas se apresentarem como startups voltadas a serviços civis — como entregas e vigilância ambiental —, a realidade é outra: os equipamentos são produzidos, majoritariamente, para abastecer o Exército russo, segundo revelou o site independente The Insider.
Um dos exemplos mais emblemáticos é o Centro de Gestão de Mobilidade Aérea Urbana (UAMOC), fundado no Cluster de Inovação de Moscou. O grupo chegou a anunciar parcerias com redes como VkusVill, Dodo Pizza e os correios estatais para entregas por drones, mas nenhum dos projetos avançou. Por outro lado, a empresa investiu diretamente na produção de drones militares e até implantou instalações nas regiões de Luhansk e Sevastopol, áreas da Ucrânia ocupadas pela Rússia desde 2014.
“Produzimos cerca de 70 mil drones por ano”, afirmou um porta-voz à RIA Novosti, sem citar que a maior parte dos recursos vem do orçamento público da cidade de Moscou. Apenas a UAMOC e suas empresas associadas geraram 28 bilhões de rublos (cerca de R$ 1,96 bilhão) em receitas entre 2023 e 2024, o que representa aproximadamente 25% de todo o mercado russo de drones.
A expansão do setor envolveu 140 fabricantes e mais de 60 empresas fornecedoras de componentes ou capacitadoras de operadores. No ano de 2024, o segmento movimentou 136 bilhões de rublos (R$ 9,5 bilhões), recebendo investimentos equivalentes a seis anos do orçamento nuclear russo. O Ministério da Defesa estima que 40 mil drones são fabricados mensalmente, com aplicação direta nos combates na Ucrânia.
Essa engrenagem industrial, porém, depende fortemente de componentes vindos da China. Embora Pequim tenha limitado a exportação de drones completos após denúncias de uso militar, as remessas de peças dispararam e alcançaram US$ 500 milhões (R$ 2,8 bilhões). Motores, baterias e controladores são responsáveis por cerca de 85% desse montante. A empresa Rustakt, responsável pelo modelo VT-40 — também conhecido como Sudoplatov —, liderou as importações, mesmo diante de severas críticas quanto à eficácia do equipamento.
“O foco tem sido produzir vídeos impactantes de ataques, enquanto as reais necessidades do campo de batalha são negligenciadas”, escreveu o correspondente russo Roman Saponkov em dezembro de 2023. De acordo com ele, os drones VT-40 apresentam falhas técnicas recorrentes e, por serem padronizados, são facilmente neutralizados por sistemas eletrônicos ucranianos. Em janeiro, um ataque a um centro de testes desses drones matou 24 pessoas, levando o Ministério da Defesa russo a encerrar os contratos com a fabricante.
Apesar dos avanços tecnológicos, a indústria russa de drones se mostra vulnerável. A dependência de motores elétricos em miniatura — cuja utilidade fora da produção de drones é mínima — expõe a cadeia produtiva ao risco de colapso caso a China suspenda as exportações. A reportagem conclui que esse setor, altamente concentrado, foge aos padrões tradicionais da indústria militar russa e depende diretamente de decisões políticas tomadas por Pequim para continuar operando.