A permanência de combatentes estrangeiros na Síria se tornou novamente tema de destaque após o grupo Estado Islâmico (EI) convocar esses combatentes a abandonarem o governo interino de Ahmad al-Sharaa e aderirem à insurgência jihadista. A movimentação ocorre em meio à recente aproximação do novo governo sírio com líderes ocidentais, incluindo o presidente norte-americano Donald Trump, o que gerou repúdio entre grupos extremistas.
O EI classificou al-Sharaa como “traidor” e “servo do Ocidente”, criticando duramente sua postura mais conciliadora. A animosidade entre o EI e o grupo rebelde Hayat Tahrir al-Sham (HTS), anteriormente liderado por al-Sharaa, não é recente. Após uma história de alianças e rupturas com o EI e a Al-Qaeda, o HTS passou a combatê-los diretamente nos últimos anos, até a vitória contra o regime de Bashar al-Assad, no final de 2024.
Com isso, um dos maiores desafios enfrentados pelo novo governo é a presença de milhares de combatentes estrangeiros que integraram a resistência armada, muitos deles ligados a ideologias salafistas radicais. Estima-se que entre 1.500 e 6.000 estrangeiros tenham lutado na Síria, com destaque para uigures da Ásia Central, além de chechenos, russos, turcos, europeus e árabes.
Durante a ofensiva que depôs Assad, muitos desses combatentes tiveram papel decisivo e, em sinal de reconhecimento, alguns foram nomeados a cargos de liderança nas novas Forças Armadas sírias. Combatentes uigures, por exemplo, compõem atualmente a guarda pessoal de al-Sharaa, refletindo o nível de confiança depositado por ele nesses homens.
Contudo, esse reconhecimento também gerou controvérsia, principalmente entre aliados ocidentais. Em reunião recente, Trump exigiu que o governo sírio expulse todos os combatentes estrangeiros do país como condição para aliviar as sanções. França e Alemanha também expressaram preocupações, temendo que a Síria se torne um novo santuário terrorista.
Apesar disso, especialistas como Aaron Zelin, do Instituto Washington, minimizam o risco de esses combatentes representarem uma ameaça em larga escala. Segundo ele, os mais radicais já se afastaram do HTS e muitos dos que permaneceram são disciplinados e leais ao novo governo. Zelin ressalta que a maior preocupação hoje são os combatentes estrangeiros que já atuam pelo EI em áreas do leste sírio ou estão detidos pelas Forças Democráticas Sírias (FDS) no norte do país.
Por outro lado, analistas alertam que a mudança de postura do HTS, mais moderada e aberta a valores ocidentais como a tolerância religiosa, presença feminina e economia de mercado, pode levar ao afastamento de elementos mais radicais dentro do grupo. Isso alimenta o risco de deserções para o EI, que continua ativo em operações de guerrilha.
Uma repressão ampla contra os combatentes estrangeiros parece improvável no momento. O governo sírio afirma que eles não representam ameaça internacional e defende sua incorporação como uma estratégia de estabilidade. No entanto, sob pressão internacional, essa política poderá ser revista. O próprio Zelin acredita que atender ao pedido dos EUA para expulsá-los é uma das tarefas mais difíceis que al-Sharaa terá pela frente.
Enquanto isso, as autoridades sírias tentam equilibrar interesses internacionais com a complexa realidade interna. Os combatentes estrangeiros continuam sendo uma peça delicada no tabuleiro político e de segurança da nova Síria — ora vistos como aliados, ora como potenciais riscos à reconstrução e à paz duradoura no país.