A presença do Hezbollah na região da Tríplice Fronteira — área compartilhada por Brasil, Paraguai e Argentina — voltou a ganhar destaque internacional após os Estados Unidos oferecerem uma recompensa de até US$ 10 milhões (cerca de R$ 56,5 milhões) por informações que levem à identificação e desarticulação dos mecanismos financeiros do grupo no local. Segundo a Embaixada dos EUA no Brasil, o objetivo é desmantelar redes de contrabando, lavagem de dinheiro, tráfico de drogas e comércio ilegal vinculadas à organização.
As ações fazem parte do programa Rewards for Justice, do Departamento de Estado americano, que aponta a região como estratégica para a arrecadação de recursos do Hezbollah no Hemisfério Ocidental. O grupo, classificado como organização terrorista pelos EUA desde 1997, é um partido político e grupo armado xiita com forte atuação no Líbano e histórico de confrontos com Israel e Estados Unidos.
Conforme dados do próprio Departamento de Estado, os lucros do Hezbollah na Tríplice Fronteira são gerados por atividades ilícitas como falsificação de dólares, tráfico de drogas, comércio ilegal de diamantes, contrabando de dinheiro, carvão, cigarros e petróleo. Além disso, membros do grupo estariam inseridos em setores aparentemente legais, como construção civil, importação e exportação e mercado imobiliário.
O envolvimento do Hezbollah na região não é recente. Desde o início dos anos 2000, os EUA alertam para a atuação do grupo na área. Em 2002, criaram o "Grupo 3+1 de Segurança da Tríplice Fronteira", em parceria com os governos locais, para fortalecer o combate ao terrorismo. A região voltou ao centro das atenções após as investigações dos atentados à Embaixada de Israel em Buenos Aires, em 1992, e à sede da AMIA, em 1994, ambos atribuídos ao Hezbollah, com coordenação supostamente feita a partir da Tríplice Fronteira.
Um dos nomes mais emblemáticos ligados ao grupo é o de Assad Ahmad Barakat, libanês preso pela Polícia Federal em 2018, em Foz do Iguaçu, e apontado como um dos principais financiadores do Hezbollah na América do Sul. Segundo autoridades argentinas, ele teria lavado cerca de US$ 10 milhões em cassinos. Já em 2006, o Tesouro americano impôs sanções a Barakat e a outro suspeito, o libanês naturalizado brasileiro Farouk Omairi, acusado de coordenar a atuação do grupo na região e de falsificar documentos para facilitar operações ilegais. Ambos são alvos de alertas da Interpol.
Mais recentemente, em 2023, a Polícia Federal prendeu três suspeitos de planejar atentados ligados ao Hezbollah contra alvos judeus em São Paulo, no Rio de Janeiro e na Embaixada de Israel em Brasília. Em 2024, mais uma prisão foi feita em Belo Horizonte, com o suspeito acusado de financiar os planos terroristas utilizando dados de imigrantes e refugiados para movimentar recursos ilícitos.
Outro ponto que tem preocupado autoridades brasileiras e internacionais é a possível ligação entre o Hezbollah e o Primeiro Comando da Capital (PCC). A suspeita surgiu durante investigações sobre o traficante brasileiro Elton Leonel Ruminich da Silva, conhecido como "Galã", acusado de comandar rotas do tráfico na fronteira com o Paraguai. A Polícia Federal identificou indícios de contato entre ele e integrantes do grupo libanês, o que levou à sua transferência para um presídio federal de segurança máxima. Apesar das acusações, a defesa nega qualquer relação com o Hezbollah.
Segundo o professor de Relações Internacionais Jorge Lasmar, da PUC Minas, a Polícia Federal já havia documentado a parceria entre o Hezbollah e o PCC em 2014. O grupo libanês, segundo o especialista, utilizaria rotas controladas pelo PCC — como o Aeroporto de Guarulhos e áreas da fronteira — para escoar drogas e outros produtos ilegais. Lasmar afirma que há evidências crescentes dessa cooperação e que os Estados Unidos mantêm o tema no radar há anos.
Apesar de a região atrair turistas por suas belezas naturais, como as Cataratas do Iguaçu, a Tríplice Fronteira permanece como um ponto sensível no mapa da segurança internacional, sendo alvo constante de relatórios de contraterrorismo e monitoramento por agências de inteligência.