A expressão "letra de médico" tornou-se popular ao longo das décadas, referindo-se à caligrafia geralmente ilegível de muitos profissionais de saúde. A dificuldade em decifrar suas receitas levou diversos estados brasileiros a implementarem leis que exigem receitas digitadas no computador ou, no mínimo, escritas de forma clara e sem abreviações.
Mas o que determina o formato de nossa letra? E por que alguns possuem uma caligrafia impecável, enquanto outros escrevem de maneira quase ininteligível? Segundo a antropóloga Monika Saini, professora do Instituto Nacional de Saúde e Bem-Estar da Família da Índia, a escrita é uma habilidade complexa que exige coordenação entre os olhos e as habilidades motoras das mãos. Com 27 ossos e mais de 40 músculos controlando os movimentos dos dedos, nossa caligrafia é influenciada por fatores anatômicos e genéticos.
Além da anatomia, aspectos culturais também desempenham um papel importante. Desde a infância, aprendemos a segurar lápis e canetas com orientação dos mais velhos, o que influencia nosso estilo de escrita. Na escola, as técnicas ensinadas por professores e as influências dos colegas também moldam nossa caligrafia. Com o tempo, a falta de prática e a pressa do dia a dia contribuem para que a escrita se torne menos legível.
A neurocientista Marieke Longcamp, da Universidade de Aix-Marselha, na França, estuda como o cérebro é envolvido no processo de escrita. Usando ressonância magnética, ela observou que áreas do cérebro, como o córtex pré-motor e o córtex parietal, são ativadas durante a escrita. Essas regiões são responsáveis pelo planejamento e controle dos movimentos manuais, enquanto outras áreas, como o giro frontal, estão ligadas ao processamento da linguagem.
A escrita manual também depende de dois sentidos fundamentais: a visão e a propriocepção — a percepção da posição e movimento do corpo. Isso significa que o cérebro usa informações dos músculos e da pele para ajustar o movimento das mãos enquanto escrevemos.
A evolução tecnológica também influencia a caligrafia. Muitos jovens hoje aprendem a escrever mais por meio de teclados e telas do que com lápis e papel. A professora Karin Harman James, da Universidade de Indiana, nos Estados Unidos, comparou o aprendizado de crianças que escreviam letras manualmente, digitavam ou apenas completavam traços. As crianças que escreveram à mão apresentaram maior ativação em áreas cerebrais relacionadas ao aprendizado, evidenciando que a escrita manual fortalece a memorização.
Outro estudo da neurocientista mostrou que estudantes universitários que tomaram notas à mão durante uma aula se saíram melhor em testes posteriores em comparação com aqueles que digitavam. Isso ocorre porque o ato de escrever ajuda a fixar o conteúdo na memória.
Mas será que é possível melhorar a caligrafia? Cherrell Avery, instrutora de caligrafia em Londres, afirma que sim. Ela sugere começar escrevendo devagar, prestando atenção ao formato das letras e ajustando o estilo de escrita para tornar a caligrafia mais legível. Com a prática, é possível criar uma "memória muscular", onde a nova forma de escrita se torna um hábito.
Avery destaca que a escrita manual vai além da comunicação. Ela é uma extensão da personalidade de cada pessoa, deixando uma marca única em cada página escrita.