Enquanto os Estados Unidos alertam para uma "semana crítica" no conflito da Ucrânia, a Europa acompanha com atenção e cautela os desdobramentos das negociações de paz, diante de posições cada vez mais divergentes entre Washington e Bruxelas sobre como deve ser o desfecho da guerra. Documentos vazados recentemente revelam dois planos distintos: um proposto pelos EUA, e outro por autoridades europeias em parceria com Kiev.
O cessar-fogo unilateral de três dias anunciado por Vladimir Putin, marcado para o 80º aniversário do fim da Segunda Guerra Mundial, não foi bem recebido pelos europeus. A porta-voz da União Europeia, Anitta Hipper, rejeitou a proposta, alegando que Moscou poderia interromper os ataques a qualquer momento, sem a necessidade de aguardar uma data simbólica.
A crítica à trégua sugerida por Putin ocorre após a divulgação de imagens do encontro entre o presidente ucraniano Volodimir Zelenski e Donald Trump no Vaticano. O cessar-fogo, interpretado por alguns como uma tentativa do Kremlin de agradar os EUA após críticas de Trump à ofensiva russa, também coincidiu com o aumento da pressão americana para avançar nas negociações, ainda sem sucesso cem dias após a posse do novo presidente norte-americano.
Duas propostas, dois caminhos Os planos de paz revelados mostram que há um descompasso significativo entre as abordagens americana e europeia. O texto dos EUA contempla o reconhecimento da Crimeia e de outras áreas ocupadas pela Rússia como território russo, além de proibir a Ucrânia de buscar adesão à OTAN. Já a proposta europeia defende um cessar-fogo total e incondicional, sem resolver imediatamente as questões territoriais, e exige garantias de segurança amplas, comparáveis ao Artigo 5 da OTAN, com apoio militar dos EUA.
Outra diferença marcante está na questão das sanções. Os Estados Unidos propõem suspender as punições contra a Rússia durante o processo de paz, enquanto o plano europeu só admite um alívio gradual após uma paz efetiva ser consolidada.
Europa discute protagonismo Diante das incertezas em relação ao papel americano, a Europa tem se movimentado para definir sua atuação no pós-guerra. Analistas como Camille Grand, do Conselho Europeu de Relações Exteriores, apontam que há uma mobilização intensa em países como França e Reino Unido para formar uma "força de garantia" que possa monitorar e proteger um eventual acordo de paz.
Essas discussões envolvem desde o envio de tropas até o fornecimento de equipamentos, com alternativas como o posicionamento dessas forças em países vizinhos, como a Polônia. A ideia é transformar a atuação europeia em algo mais concreto e coordenado, ainda que faltem definições sobre a proteção de tais tropas contra possíveis agressões russas.
Manter os EUA na mesa Apesar das diferenças, a principal preocupação europeia parece ser manter os Estados Unidos nas negociações. Almut Molle, do European Policy Centre, destaca que a disposição da Europa em liderar iniciativas de segurança é também um sinal para Washington de que o continente está disposto a assumir maior responsabilidade. Contudo, ela pondera que isso não garante participação igualitária nas decisões, especialmente com os EUA cogitando deixar a mediação da paz.
A UE reforça seu apoio contínuo à Ucrânia, tanto politicamente quanto financeiramente. Em 2025, cerca de 23 bilhões de euros foram destinados à causa ucraniana. No entanto, a dependência europeia da infraestrutura militar dos EUA — como satélites, inteligência e logística — limita a capacidade do bloco de agir isoladamente.
Entre o pragmatismo e a esperança Especialistas avaliam que, se os EUA se afastarem das negociações, pode ser menos prejudicial do que uma oposição direta à Ucrânia. Segundo Camille Grand, o reconhecimento recente por parte de Trump de que Putin representa um problema — e não uma solução — pode abrir espaço para um caminho mais equilibrado, ainda que não ideal.
Enquanto isso, a Europa insiste em manter a coesão com seus aliados e reitera que o apoio à Ucrânia deve prevalecer, não só como uma resposta à invasão russa, mas como mensagem estratégica a qualquer potencial agressor internacional.