Durante décadas, a origem do autismo foi envolta em estigmas e suposições equivocadas. Até os anos 1970, prevalecia a teoria de que a condição era resultado de má criação dos pais, em especial das chamadas “mães-geladeiras”. Apenas em 1977, com estudos envolvendo gêmeos idênticos, surgiram as primeiras evidências científicas que apontavam para uma forte influência genética no autismo. Desde então, a ciência tem avançado significativamente, mas o entendimento completo sobre os fatores genéticos e ambientais envolvidos ainda é um grande desafio.
Genes e variações: o quebra-cabeça genético
Atualmente, sabe-se que há um componente genético relevante no autismo, com casos em que uma única mutação tem efeitos severos no desenvolvimento neurológico. Essas mutações, conhecidas como variantes de novo, surgem espontaneamente durante o desenvolvimento embrionário. Em cerca de 20% dos casos, mutações pontuais em genes como o Shank3 podem causar atrasos motores, deficiência intelectual e epilepsia. No entanto, para a maioria dos autistas, a neurodiversidade resulta da interação de milhares de variantes genéticas herdadas de forma combinada dos pais, sendo a contribuição de cada uma delas individualmente muito pequena.
Diferenças sutis e grandes impactos
Muitos pais de crianças autistas, mesmo sem diagnóstico, carregam algumas dessas variantes genéticas. Em geral, isso se manifesta por traços leves, como apego à rotina ou dificuldade em reconhecer emoções. Já nas crianças, essas mesmas variantes, combinadas, podem alterar significativamente o neurodesenvolvimento.
Além disso, fatores ambientais também entram na equação. A exposição a poluição, pesticidas, complicações no parto e prematuridade são apontados como possíveis contribuintes não genéticos. Isso ajuda a explicar por que, mesmo entre gêmeos idênticos, o diagnóstico de autismo pode não ocorrer em ambos.
Um espectro amplo e controverso
A pesquisa genética tem permitido avanços em tratamentos experimentais, inclusive com o uso de terapias como o lítio para reforçar a função de genes afetados. Novas tecnologias, como a edição genética via CRISPR, estão sendo exploradas para atuar de forma ainda mais precoce, inclusive durante a gestação. Ensaios clínicos já foram aprovados para testar terapia genética em crianças com mutações específicas e síndromes associadas ao autismo.
No entanto, essa abordagem levanta controvérsias. Muitos autistas, especialmente os que vivem de forma independente, veem sua condição como parte da identidade e não como um distúrbio a ser corrigido. Pesquisadores como Sue Fletcher-Watson alertam que a ênfase excessiva em intervenções genéticas pode abrir caminho para práticas eugênicas e testes pré-natais que reduzam a diversidade humana.
Avanços e dilemas éticos
Enquanto alguns cientistas defendem a pesquisa para auxiliar pessoas com autismo severo, que requerem cuidados constantes, outros destacam que o foco deve ser também na aceitação e no apoio às diferentes formas de funcionamento neurológico. O reconhecimento do "autismo profundo" pela Comissão Lancet é um esforço de classificar as diversas realidades dentro do espectro, buscando tratamentos que minimizem deficiências e promovam mais qualidade de vida.
Caminhos futuros
A pesquisa continua buscando entender como variantes genéticas se expressam diferentemente em homens e mulheres, e por que muitas mulheres autistas continuam sem diagnóstico devido à sua maior capacidade de mascarar traços. Ao mesmo tempo, há esforços para compreender as condições frequentemente associadas ao autismo, como distúrbios do sono e epilepsia.
Para especialistas como Thomas Bourgeron e Daniel Geschwind, o futuro da pesquisa genética sobre autismo deve ser guiado por uma abordagem equilibrada, que respeite as identidades neurodivergentes, promova inclusão e, ao mesmo tempo, busque soluções que melhorem o bem-estar das pessoas mais gravemente afetadas.
Conclusão: mais do que genética
O autismo é uma condição complexa, com múltiplas origens e expressões. A genética oferece pistas valiosas, mas está longe de fornecer todas as respostas. Mais do que buscar curas, é fundamental compreender as necessidades individuais, combater o estigma e construir uma sociedade que permita que todas as formas de mente humana prosperem.