Agência Brtasil
Uma pesquisa nacional apontou que 90% dos estudantes adolescentes e jovens que se identificam como LGBTI+ foram vítimas de agressões verbais no ambiente escolar em 2024. Os dados fazem parte do levantamento da Pesquisa Nacional sobre o Bullying no Ambiente Educacional Brasileiro, divulgado na sede do Conselho Nacional de Educação (CNE), em Brasília. A iniciativa foi conduzida pela Aliança Nacional LGBTI+ em parceria com o Instituto Unibanco e apoio técnico do Plano CDE.
Segundo Toni Reis, presidente da Aliança, o bullying de caráter homofóbico é uma forma de violência sistemática, seja ela física ou simbólica, com manifestações de humilhação e discriminação. Ele defendeu políticas públicas estruturais para garantir uma convivência democrática e respeitosa nas escolas, sem imposições ideológicas, mas pautadas na harmonia e no respeito mútuo.
Estudantes relatam insegurança no ambiente escolar e alto índice de agressões
A pesquisa, realizada entre agosto de 2024 e janeiro de 2025, ouviu 1.349 estudantes da educação básica com 16 anos ou mais, tanto do ensino regular quanto da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Dos participantes, 1.170 se identificaram como LGBTI+, com diversas identidades de gênero e orientações sexuais, e estavam matriculados em escolas públicas e privadas em todos os estados do país.
O levantamento mostra que 86% dos estudantes LGBTI+ se sentem inseguros na escola por motivos ligados à aparência ou identidade. Entre pessoas trans e travestis, esse percentual sobe para 93%. O ambiente escolar é percebido como pouco ou nada seguro por 67% dos estudantes trans, 59% de meninos fora dos padrões masculinos, 49% de gays, lésbicas, bissexuais e assexuais, e 40% de meninas que não seguem padrões de feminilidade ou que têm o corpo considerado fora do padrão.
Além das agressões verbais, 34% dos entrevistados afirmaram ter sido vítimas de violência física no ano passado. Os principais motivos apontados foram expressão de gênero (20%), orientação sexual (20%) e aparência (19%). Entre pessoas trans, travestis e negras, esse índice sobe para 38%, enquanto entre estudantes cisgênero é de 31%.
Violência também parte de profissionais da escola
A maioria dos agressores é composta por outros alunos (97%). No entanto, 34% dos estudantes afirmaram ter sido agredidos por professores, 16% por membros da gestão escolar e 10% por outros profissionais da unidade. A realidade é vivida por Elis Gonçalves, da ONG Mães pela Diversidade, mãe de um menino trans de 13 anos. Segundo ela, quando professores insistem em usar o nome de registro de seu filho, desconsiderando o nome social, o expõem de forma humilhante diante da comunidade escolar.
Medidas institucionais são raras e ineficazes, dizem alunos
Entre os estudantes LGBTI+ que denunciaram as agressões, 69% afirmaram que a escola não adotou nenhuma providência. Dos que relataram alguma ação, 86% avaliaram as medidas como pouco ou nada eficazes. Além disso, 39% nunca conversaram com ninguém sobre o ocorrido; 44% procuraram amigos e apenas 10% buscaram apoio familiar.
Problemas emocionais e evasão escolar atingem estudantes LGBTI+
O ambiente escolar hostil refletiu na saúde mental dos alunos. Conforme os dados, 94% dos estudantes LGBTI+ relataram ter se sentido deprimidos no mês anterior à pesquisa, sendo que 88% passaram por isso duas vezes ou mais. Estudantes trans apresentaram os piores indicadores emocionais em comparação aos colegas cisgênero.
Quanto à frequência escolar, 47% dos estudantes LGBTI+ faltaram pelo menos um dia de aula no mês anterior ao levantamento por medo de irem à escola ou de transitarem até ela. Esse índice sobe para 57% entre estudantes trans. Além disso, 18% dos jovens trans relataram ter perdido seis ou mais dias de aula, contra 12% dos estudantes cis.
A professora Jaqueline Gomes de Jesus, primeira mulher transexual a ingressar no doutorado da Universidade de Brasília, compartilhou que também enfrentou essa realidade quando criança. Segundo ela, sofreu bullying, assédio e discriminação sem nenhuma intervenção por parte de educadores e gestores escolares.
MEC baseia ações em marcos legais e aposta na formação em direitos humanos
Para enfrentar esse cenário, Maraisa Bezerra Lessa, coordenadora do Ministério da Educação, destacou que as políticas públicas estão fundamentadas na Constituição, nas diretrizes da BNCC, no Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos e no parecer do CNE que determina o uso do nome social. O objetivo é formar cidadãos conscientes de seus direitos e promover a justiça social, o respeito e a diversidade.
Segundo a coordenadora, as ações também incluem a formação continuada dos profissionais da educação, com enfoque em direitos humanos, para fortalecer o combate à discriminação e promover ambientes mais acolhedores.
Propostas incluem temas obrigatórios e proteção legal
A pesquisa recomenda a inclusão no currículo escolar de temas como violência, respeito e convivência democrática, com base na Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.668, na Lei 13.185/2015 (de combate ao bullying) e na Lei 14.811/2024 (que institui medidas de proteção à criança e ao adolescente contra a violência nas escolas).
Entre as sugestões também estão a garantia de proteção a educadores que abordem essas temáticas, medidas legais para assegurar a segurança de estudantes vítimas de violência familiar, além da capacitação da rede de proteção da infância e juventude.
Christy Ganzert Pato, secretário-executivo do CNE, avaliou que os desafios enfrentados vão além da escola e da formação de professores. Para ele, é necessária uma mudança estrutural da sociedade. “Trata-se de transformar o espírito de nação”, afirmou.