Um grave impasse entre a Polícia Federal e a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) veio à tona nesta quinta-feira (17), provocando uma reunião emergencial no Palácio do Planalto e colocando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sob intensa pressão. A crise teve início após revelações de que a Abin teria espionado autoridades paraguaias não apenas durante o governo Bolsonaro, como inicialmente informado pelo Planalto, mas também durante o atual governo.
Segundo apuração da Folha de S. Paulo, Lula convocou de forma urgente os chefes da PF, Andrei Rodrigues, e da Abin, Luiz Fernando Corrêa, para uma conversa descrita por assessores como “tensa e constrangedora”. O estopim foi uma denúncia feita por um servidor da própria Abin à PF, revelando que contas de autoridades do governo do Paraguai foram invadidas durante negociações sobre a energia de Itaipu — tratativas finalizadas em maio de 2024.
De acordo com o portal UOL, há indícios de que a espionagem tenha continuado mesmo após março de 2023, quando a operação deveria ter sido desativada. O governo havia divulgado, por meio do Itamaraty, que a autorização para o monitoramento havia sido concedida ainda em junho de 2022, no governo anterior, e encerrada por Alessandro Moretti, então número dois da Abin, no início do governo Lula.
Entretanto, a PF teria identificado registros de ordens emitidas diretamente por Corrêa ainda antes de sua posse formal como diretor da agência, o que contradiz a versão oficial. Durante a reunião com o presidente, Rodrigues teria questionado Corrêa sobre o conteúdo do comunicado do Itamaraty, sugerindo que a explicação do colega pode agora causar danos adicionais ao governo.
A tensão entre Corrêa e Rodrigues não é novidade. Ambos já se enfrentavam nos bastidores desde o avanço das investigações sobre a chamada “Abin paralela”, criada durante a gestão Bolsonaro. Corrêa acusa a PF de perseguição política, enquanto policiais federais veem no diretor da Abin tentativas de blindar aliados e limitar o alcance das apurações.
A acareação informal entre os dois ocorreu na presença do ministro da Casa Civil, Rui Costa, e do próprio presidente Lula, que demonstrou desconforto com o desgaste político causado por um órgão que deveria operar com discrição. O caso expôs um conflito institucional inédito e levantou dúvidas sobre a condução da inteligência nacional, justamente em um momento sensível para a diplomacia brasileira, às vésperas da realização da COP30 em Belém.
A espionagem teria ocorrido durante tratativas diplomáticas com o Paraguai, o que compromete a imagem do Brasil como parceiro confiável na região. O Itamaraty reconheceu a gravidade da situação em nota oficial: “O Brasil mantém relação histórica com o Paraguai. Qualquer ação de inteligência contra um país amigo é inaceitável.”
Corrêa e Moretti devem prestar depoimento ainda nesta quinta-feira. O conteúdo dessas falas poderá ser decisivo para o futuro de Corrêa à frente da Abin, função que começa a parecer insustentável diante do impasse. Em meio à crise, a associação de servidores da Abin (Intelis) divulgou nota acusando a Polícia Federal de tentar enfraquecer o serviço de inteligência do Estado, o que confirma o racha entre os dois órgãos.
Tentando preservar sua imagem e desvincular-se da polêmica, Lula inicialmente responsabilizou a gestão anterior pela operação, mas, com novos indícios apontando para a continuidade das ações durante seu mandato, o Planalto vê-se no centro de uma crise que desafia o controle da narrativa e ameaça a estabilidade política da atual administração.