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Saúde
15/04/2025 07:00:00

Cientistas refutam ideia de “epidemia de autismo” nos EUA e apontam avanços nos diagnósticos como causa do aumento

Cientistas refutam ideia de “epidemia de autismo” nos EUA e apontam avanços nos diagnósticos como causa do aumento

A crescente taxa de diagnósticos de Transtorno do Espectro Autista (TEA) nos Estados Unidos levou o Departamento de Saúde e Serviços Humanos (HHS) a abrir uma investigação sobre o fenômeno, que o secretário de Saúde Robert F. Kennedy Jr. classificou como uma “epidemia”. Kennedy prometeu que até setembro o país identificará as causas por trás do crescimento dos casos. No entanto, especialistas em neurociência e saúde pública alertam que o uso do termo “epidemia” neste contexto é equivocado e que a ideia de uma explicação única e rápida para o aumento é irreal.

De acordo com o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), 1 em cada 36 crianças nos EUA foi diagnosticada com TEA em 2020. Em 2000, essa taxa era de 1 para cada 150. Apesar do salto expressivo, pesquisadores afirmam que a principal explicação está na evolução dos critérios diagnósticos, no aumento da conscientização social e na melhora das ferramentas de triagem — especialmente em meninas, historicamente subdiagnosticadas.

O neurocientista Geoff Bird, da Universidade de Oxford e do University College London, considera irreal a expectativa de descobrir as causas do autismo em poucos meses. Ele afirma que cerca de 80% dos casos estão relacionados a fatores genéticos, embora ainda não se tenha uma definição completa sobre quais genes estão implicados e de que forma. Mutações em genes como o MECP2 já foram identificadas, mas não há comprovação direta de que sejam responsáveis pelo autismo.

Outras hipóteses, como a influência de poluentes ambientais, alterações intestinais ou disfunções imunológicas, seguem em investigação, mas as evidências atuais são consideradas inconclusivas. Para Bird, os poluentes são nocivos à saúde de modo geral, mas é improvável que estejam impulsionando um aumento nas taxas de TEA.

Outro ponto destacado por especialistas é a ausência de marcadores biológicos específicos que permitam diagnósticos objetivos de autismo. Como o diagnóstico ainda depende de observações clínicas e comportamentais, o aumento da detecção pode estar diretamente ligado à expansão das definições clínicas e à valorização de sinais mais sutis do espectro autista.

Segundo Suzy Yardley, da ONG britânica Child Autism UK, o movimento da neurodiversidade tem sido crucial para ampliar o reconhecimento social do autismo e facilitar o acesso a avaliações médicas. Ela afirma que o aumento dos diagnósticos não indica necessariamente um aumento real no número de casos, mas sim um avanço na identificação e compreensão do transtorno.

As alegações de que vacinas estariam ligadas ao aumento do autismo também foram rebatidas por diversos estudos científicos. Nenhuma ligação foi comprovada entre vacinas e TEA, incluindo as que contêm timerosal, um conservante à base de mercúrio. A origem dessa teoria remonta a um estudo fraudulento de 1998, que foi amplamente desmentido e posteriormente retirado da literatura científica.

Apesar disso, Robert F. Kennedy Jr., conhecido por declarações controversas sobre vacinas, prometeu reavaliar sua “eficácia e segurança” mesmo após minimizar um recente surto de sarampo que vitimou duas crianças não vacinadas no Texas. A insistência em revisitar teorias já refutadas causou preocupação em entidades ligadas à defesa dos direitos das pessoas autistas.

A Associação Nacional do Autismo do Reino Unido criticou a abordagem de Kennedy e do ex-presidente Donald Trump, que também se manifestou sobre o tema. Para a entidade, os discursos são insensíveis e promovem desinformação. “Seria mais sensato usar recursos para melhorar a vida das pessoas autistas e combater o estigma, em vez de tratá-las como um problema a ser eliminado”, afirmou Tim Nicholls, diretor assistente de políticas da associação.

Para muitos dentro da comunidade autista, a ideia de cura ou eliminação do autismo é vista com desconfiança. Yardley ressalta que, embora algumas pessoas no espectro vivam experiências desafiadoras, muitas outras não veem o transtorno como uma condição a ser “curada”, mas sim como parte de sua identidade.

A discussão atual reflete um embate entre abordagens científicas baseadas em dados e interpretações políticas que buscam respostas rápidas para questões complexas. Especialistas alertam que qualquer tentativa de simplificar o autismo a uma “epidemia” pode desviar o foco dos reais avanços conquistados nas últimas décadas em diagnóstico, inclusão e compreensão da neurodiversidade.



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