Apesar dos crescentes desafios enfrentados por adolescentes, o Brasil ainda conta com um número muito reduzido de profissionais especializados em hebiatria, área da medicina voltada exclusivamente à saúde física e mental de pessoas entre 10 e 20 anos, conforme definição da Organização Mundial da Saúde (OMS). O país possui apenas algumas centenas de hebiatras, concentrados em grandes centros urbanos, o que limita o acesso a um acompanhamento mais amplo e especializado nesta fase de intensas transformações.
A hebiatria se destaca por realizar consultas mais completas, abordando não apenas aspectos biológicos, mas também emocionais, sociais e comportamentais, com atenção à alimentação, sono, atividade física, sexualidade, saúde mental, entre outros fatores. Apesar de reconhecida pela Associação Médica Brasileira (AMB) desde 1998, a especialidade ainda é pouco divulgada e muitas vezes desconhecida até mesmo por médicos.
A formação de um hebiatra exige dois anos adicionais após a pediatria, o que contribui para o número restrito de profissionais. A médica Mônica Mulatinho, referência na área em Brasília, relata que só conheceu a especialidade durante sua especialização em pediatria nos anos 1990 e que muitos estudantes ainda passam pela graduação sem qualquer contato com o tema.
Além da baixa visibilidade, o acesso à hebiatria também é dificultado pela ausência de políticas públicas específicas. No Sistema Único de Saúde (SUS), adolescentes geralmente não têm atendimento direcionado e são invisibilizados nas Unidades Básicas de Saúde. Nos planos de saúde, a especialidade tampouco é contemplada com frequência, o que leva muitos pais a optarem por consultas particulares.
A presidente do Departamento de Adolescência da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP), Elizete Prescinotti Andrade, destaca a ausência de um programa contínuo de saúde escolar e a falta de incentivo institucional à formação de novos hebiatras. Ela ressalta que a consulta nessa faixa etária vai além do tratamento de doenças físicas e tem papel fundamental na prevenção de riscos como transtornos mentais, uso de drogas, acidentes e violência.
Estigmas relacionados à adolescência também afastam médicos da área. Termos como “aborrecência” ainda refletem uma visão negativa que desmotiva muitos profissionais. Contudo, hebiatras como Valéria Barbosa, de Belo Horizonte, defendem que a adolescência deve ser compreendida em suas particularidades, e que a escuta atenta e o acolhimento fazem toda a diferença no tratamento.
Os desafios aumentaram com o avanço das tecnologias. O uso excessivo de telas, a síndrome FOMO (medo de ficar de fora), o vício em apostas online, os transtornos alimentares e a automedicação com suplementos para ganho de massa muscular são alguns dos problemas comuns em consultório. Segundo os hebiatras, o aumento de quadros ligados à saúde mental no pós-pandemia também elevou a procura por atendimento.
As consultas com hebiatras costumam ser mais longas e incluem momentos a sós com o paciente, garantindo sigilo e confiança para abordar temas sensíveis. Muitas vezes, é neste momento que surgem relatos importantes sobre questões como abuso, sexualidade e uso de substâncias, possibilitando uma intervenção mais eficaz e segura.
Diante da limitação de acesso, projetos voluntários e acadêmicos têm se destacado. Em Brasília, o Adolescentro reúne especialistas para atendimento gratuito. Em Belo Horizonte, o Janela da Escuta, ligado à Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), oferece acolhimento psicológico e médico a adolescentes. O Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (HC-UFTM) e o programa Aquarela, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, também são exemplos de iniciativas voltadas a esse público.
Redes sociais, que por vezes são vilãs na vida dos adolescentes, têm sido aliadas dos hebiatras para alcançar esse público. Profissionais adaptam conteúdos para plataformas como Instagram e TikTok, produzindo vídeos curtos e educativos, além de oferecerem consultas online — muitas vezes, a única alternativa para jovens que vivem longe dos grandes centros.
Mesmo ainda pouco difundida, a hebiatria mostra-se uma área cada vez mais essencial, especialmente diante das novas demandas da juventude e da importância de uma escuta qualificada e integral para prevenir riscos e promover bem-estar em uma das fases mais complexas do desenvolvimento humano.