O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, apresentou nesta terça-feira (8) uma proposta de emenda constitucional (PEC) que reúne uma série de medidas voltadas à área da segurança pública. Encaminhado ao presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), o texto representa uma das principais apostas do governo Lula para responder à crescente preocupação da população com a violência, identificada como uma das prioridades nacionais em pesquisas recentes.
A PEC, que tem cinco páginas e passará por discussões no Congresso antes de ser votada, busca fortalecer a atuação do Estado contra o crime organizado, sem interferir na autonomia das polícias estaduais. A proposta sugere mudanças na estrutura e nas atribuições da Polícia Federal (PF), da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e inclui as guardas municipais no sistema nacional de segurança. Também propõe a constitucionalização de dois fundos federais que financiam a segurança pública.
PF com novas responsabilidades
Um dos principais pontos da PEC é a ampliação das atribuições da Polícia Federal. A proposta insere na Constituição a responsabilidade da PF no combate a crimes ambientais, a organizações criminosas e a milícias, inclusive com atuação interestadual e transnacional. Apesar de a PF já atuar nesses casos, a mudança constitucional garantiria maior foco e respaldo legal, segundo Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
PRF com nova identidade e funções ampliadas
A PEC também propõe a reestruturação da PRF, que passaria a se chamar "Polícia Viária Federal", ganhando atribuições além das rodovias federais. Com a mudança, a corporação poderá patrulhar ferrovias e hidrovias federais, preenchendo um vácuo atual no policiamento desses modais de transporte. De acordo com o pesquisador Daniel Cerqueira, do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), essa redefinição elimina a indefinição sobre a fiscalização de áreas hoje desassistidas.
Guardas municipais no sistema de segurança pública
A proposta incorpora formalmente as guardas municipais ao sistema nacional de segurança, como já reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em decisão recente. A PEC autoriza as guardas a exercerem funções de policiamento ostensivo, mas impede que realizem investigações criminais, função restrita às polícias civis. As guardas também ficarão sujeitas ao controle do Ministério Público, como as demais corporações.
Para Daniel Cerqueira, incluir as guardas municipais na engrenagem da segurança pública reforça o papel dos municípios na prevenção e combate à violência. Estudos sobre o funcionamento dessas instituições já vêm sendo conduzidos pelo governo federal desde o ano passado, mas ainda não foram concluídos.
Corregedorias e ouvidorias independentes
Outro ponto significativo da proposta é a exigência de corregedorias e ouvidorias autônomas em todas as esferas — federal, estadual e municipal — para monitorar polícias e guardas. Atualmente, tais órgãos muitas vezes são vinculados às próprias instituições que devem fiscalizar, o que compromete sua eficácia.
Segundo Renato Sérgio Lima, a independência desses órgãos pode garantir mais transparência e controle sobre abusos e casos de corrupção, especialmente em um cenário de aumento da letalidade policial. Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024 apontam um crescimento de 190% nas mortes decorrentes de ações policiais nos últimos dez anos.
Próximos passos e resistência política
Apesar do conteúdo robusto da PEC, sua tramitação poderá enfrentar resistências, principalmente de setores mais alinhados ao bolsonarismo, que mantêm forte atuação no debate sobre segurança pública. Ainda não há data definida para a votação da proposta no Congresso.
A expectativa é que o texto passe por alterações durante o processo legislativo, mas, para o governo Lula, trata-se de uma tentativa estratégica de se reposicionar diante da queda na popularidade e da cobrança por ações mais concretas na área da segurança.