Um estudo publicado na revista Nature revelou que a vacina contra o herpes zoster pode estar ligada a uma redução de 20% no risco de desenvolver demência ao longo de sete anos. A análise se baseou em registros médicos de 280 mil adultos entre 71 e 88 anos, residentes no País de Gales, no Reino Unido, e sugere que a imunização pode representar uma estratégia acessível e eficaz para prevenir ou atrasar o declínio cognitivo. No entanto, os pesquisadores destacam que ainda não há comprovação de causa e efeito, e mais estudos são necessários para entender como essa proteção se manifesta.
O herpes zoster é causado pelo vírus varicela zoster (VZV), o mesmo da catapora, que permanece inativo no organismo após a infecção e pode ser reativado em idosos ou pessoas com imunidade comprometida. Pesquisas anteriores já haviam relacionado infecções virais como o VZV e o herpes simplex tipo 1 com alterações cerebrais semelhantes às da doença de Alzheimer, incluindo inflamações, placas amiloides e perda de funcionalidade neuronal.
Imunização dentro de programa público facilitou análise
A investigação foi possível graças a um programa público de vacinação iniciado em 2013 no País de Gales. A campanha estabelecia que pessoas com 79 anos podiam receber a vacina durante um período de 12 meses, enquanto os de 78 seriam vacinados no ano seguinte. Indivíduos com 80 anos ou mais não eram incluídos na campanha, o que, segundo os cientistas, criou um ambiente ideal para estudo comparativo, com características próximas a um ensaio clínico.
Os pesquisadores analisaram o histórico de saúde de idosos que não apresentavam demência no início da campanha e acompanharam sua evolução por sete anos. Em 2020, um em cada oito indivíduos com 86 e 87 anos havia sido diagnosticado com demência. No entanto, entre os vacinados, o risco foi 20% menor. “Foi uma descoberta realmente impressionante”, afirmou Pascal Geldsetzer, professor assistente da Universidade de Stanford e autor sênior do estudo.
Resultados reforçam novas possibilidades para prevenção do Alzheimer
A demência afeta mais de 55 milhões de pessoas no mundo, com cerca de 10 milhões de novos casos a cada ano. Enquanto grande parte das pesquisas sobre Alzheimer foca no acúmulo de placas no cérebro, a nova abordagem levanta a possibilidade de estratégias preventivas a partir de vacinas, que poderiam atuar em mecanismos diferentes, como estimular o sistema imunológico, reduzir a reativação viral ou aumentar a resiliência cerebral.
Apesar dos resultados promissores, os cientistas ressaltam que ainda não está claro como a vacina atua nesse processo. Também não se sabe se outras versões mais modernas do imunizante, como aquelas feitas com proteínas virais e maior eficácia contra o herpes zoster, teriam um efeito ainda mais significativo na prevenção da demência.
Próximo passo: ensaio clínico controlado
O grupo de Stanford agora planeja realizar um ensaio clínico randomizado para verificar se há, de fato, uma relação causal. No novo estudo, os participantes serão divididos aleatoriamente para receber a vacina viva atenuada ou placebo. “Será um ensaio simples e direto, já que usamos uma vacina que sabemos ser segura”, disse Geldsetzer.
A pesquisa também reforça o potencial de programas futuros de vacinação voltados diretamente à prevenção do declínio cognitivo. Entender como o imunizante contra herpes zoster ajuda a proteger o cérebro pode abrir caminho para novas formas de tratamento e prevenção de doenças neurodegenerativas.