Dez anos após o escândalo do Dieselgate, que abalou a indústria automotiva europeia, uma nova fraude volta a atingir os principais fabricantes de carros do continente. A Comissão Europeia anunciou, nesta terça-feira (1º), a aplicação de multas no valor total de 458 milhões de euros a 15 montadoras e à Associação Europeia dos Construtores de Automóveis (ACEA), acusadas de formarem um cartel para suprimir a concorrência no setor de reciclagem automotiva.
De acordo com a vice-presidente da Comissão Europeia, Teresa Ribera, os fabricantes coordenaram-se durante mais de 15 anos para evitar custos com serviços de reciclagem e, ao mesmo tempo, evitar que consumidores tivessem acesso a informações claras sobre os materiais reciclados usados nos veículos. Segundo ela, o cartel limitou deliberadamente a publicidade e transparência sobre práticas sustentáveis. “Não toleraremos cartéis de qualquer tipo, sobretudo os que prejudicam a escolha consciente dos consumidores e bloqueiam o avanço de produtos mais ecológicos”, declarou.
Volkswagen lidera lista de penalidades; Mercedes escapa
A maior multa individual foi aplicada à Volkswagen, com quase 128 milhões de euros. A Renault/Nissan foi a segunda mais penalizada, com 81 milhões. A Stellantis teria sido a mais multada, mas teve sua sanção reduzida pela metade — para 75 milhões — por colaborar com a investigação. Ford e Mitsubishi também receberam reduções após cooperação, com multas de 41 milhões e 4 milhões, respectivamente.
A Mercedes-Benz, por sua vez, conseguiu escapar de uma penalidade de 35 milhões ao delatar os concorrentes e revelar a existência do cartel. BMW, GM, Geely, Honda, Hyundai/Kia, Jaguar, Land Rover/Tata, Mazda, Opel, Suzuki, Toyota e Volvo também foram sancionadas, com valores entre 1 e 25 milhões de euros.
A ACEA, entidade que representa os interesses do setor e que organizou diversas reuniões entre as empresas envolvidas, foi penalizada em 500 mil euros por ter atuado como facilitadora do esquema.
Críticas à indústria e flexibilização das metas climáticas
A revelação do cartel ocorreu no mesmo dia em que a Comissão Europeia apresentou uma proposta para flexibilizar o cumprimento das metas de emissões de CO?. A medida surge após meses de pressão da própria indústria automotiva, que alegou risco de enfrentar sanções superiores a 13 mil milhões de euros.
Críticos alegam que as montadoras se colocaram nessa posição ao priorizar veículos elétricos de luxo, como SUVs, em vez de modelos mais acessíveis e sustentáveis. A proposta da Comissão prevê que o cumprimento das metas passe a ser calculado com base na média das emissões entre 2025 e 2027, o que dá mais margem às empresas para adaptar sua produção.
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, defendeu o novo plano como um equilíbrio entre os objetivos ambientais e a viabilidade econômica do setor. “Estamos a oferecer mais flexibilidade sem abdicar dos nossos compromissos climáticos”, disse. Ela também ressaltou que a descarbonização da indústria automóvel europeia é essencial para manter sua liderança competitiva global.
Mesmo com a nova proposta, a revelação do cartel antirreciclagem lança dúvidas sobre o comprometimento real de parte do setor com a sustentabilidade, reacendendo críticas e a vigilância das autoridades sobre práticas que vão além das emissões de escapamento.