A cidade de Dobropillia, localizada no oeste da região de Donetsk, na Ucrânia, vive sob constante ameaça, a apenas 20 quilômetros da linha de frente da guerra. Desde que os combates se intensificaram, os bombardeios têm se tornado cada vez mais frequentes, afetando profundamente a vida dos moradores. Em meio ao caos, eles buscam refúgio na fé, na solidariedade comunitária e em uma esperança frágil por dias melhores.
Em um pequeno templo cristão, decorado com reproduções de obras sacras de Rembrandt e Ticiano, fiéis se reúnem para um culto dominical. Entre eles está Volodimir, comandante de uma unidade de drones das Forças Armadas da Ucrânia. Ele ficou de pé durante toda a cerimônia, ouvindo palavras de paz, e após o culto declarou firmemente: "Acredito que retomaremos toda a Ucrânia. Não aceito outro resultado". Natural de Kharzysk, cidade atualmente ocupada pela Rússia, ele entrou para o Exército acreditando que teria apenas três meses de vida, mas sobreviveu até agora.
Dobropillia: uma cidade de acolhimento transformada em frente de batalha
Antes da guerra, Dobropillia contava com cerca de 43 mil habitantes. Hoje, estima-se que cerca de 35 mil pessoas permaneçam na cidade, sendo um terço delas deslocadas de outras regiões. Com a ocupação de Avdiivka pelos russos em fevereiro de 2024, Dobropillia passou a ser considerada uma cidade de linha de frente, alvo constante de ataques.
O pastor e capelão militar Ihor, ex-bombeiro, lidera uma paróquia que tem sido essencial para apoiar tanto civis quanto militares. Com escassez de água potável, a igreja instalou um poço com sistema de filtragem. Também oferece lavanderia e chuveiros para os soldados. Apesar do cenário desolador, Ihor mantém a fé: “Oramos primeiro pela vitória e depois pela paz”. Ele não acredita em avanços nas negociações com a Rússia, e relata que o medo aumenta quando as famílias começam a deixar a cidade.
O trauma dos ataques e as perdas irreparáveis
O bombardeio de 7 de março foi especialmente devastador: 11 mortos e 49 feridos. No local do ataque, prédios danificados e apartamentos queimados contrastam com flores em meio a estilhaços. Em uma das camas infantis destruídas, alguém deixou duas rosas com fitas pretas.
A aposentada Larysa conta que estava com o marido em casa durante o ataque. Lançados ao chão pela explosão, ela quebrou a mão ao cair. Os socorristas precisaram resgatá-los pela janela. Como o hospital estava lotado, só foi atendida no dia seguinte. Ela lembra de um jovem casal de Pokrovsk que buscava abrigo na cidade e acabou morrendo carbonizado.
Outra moradora, que preferiu não se identificar, perdeu tudo: fotos, pertences e memórias. Ela relata que viu cinco corpos no corredor do seu prédio e que, mesmo após o primeiro ataque, outro drone apareceu quando os sobreviventes tentavam sair. “Foi puro terror. Nunca houve nada assim em Dobropillia”, disse, com as mãos ainda tremendo.
Desejo de paz, mas com justiça
Desde setembro do ano anterior, quando a frente de combate se aproximou de Pokrovsk, Dobropillia se tornou alvo constante. Daria, jovem da região, diz ter perdido muitos amigos. Um homem embriagado revela que seu irmão está preso em cativeiro. A maioria deseja o fim da guerra, mas muitos duvidam de um cessar-fogo justo.
Tetiana, aposentada, critica o ex-presidente dos EUA, Donald Trump, acusando-o de agir como aliado de Putin. Ela defende que a Ucrânia não pode abrir mão de seus territórios. Já Olena, mãe de um menino, acredita que os russos deveriam devolver o que tiraram. Karina, deslocada de Myrnohrad, é mais cética: diz que se os russos quiserem manter o que capturaram, que o façam, mas deixem o povo viver em paz.
Jovens entre a fuga e a permanência
Para Oleksandra, de 17 anos, Dobropillia é o lar que ela gostaria de ver livre novamente, mas ela planeja deixar o país com o namorado, quando for permitido. Duas meninas de 13 anos, por outro lado, afirmam querer continuar na Ucrânia, mas não na cidade, que consideram perigosa. Muitos moradores dizem que as negociações de paz não trouxeram mudanças — pelo contrário, os ataques aumentaram.
Resistência mesmo sob drones e explosões
Na noite de 22 de março, Dobropillia foi novamente atacada com drones. Apesar de não haver vítimas, o impacto foi sentido por todos. Denys, que presta ajuda humanitária com seu carro, teve o veículo danificado. Seu irmão Oleksandr, aposentado da mineração, lembra com tristeza que seus netos passaram a noite escondidos no porão. Ele desabafa: "Muitos morreram lutando pelo nosso Donbass. Não podemos simplesmente desistir dele".
Com a limpeza concluída, janelas foram seladas com tábuas. Uma cratera deixada pelo impacto do drone permanece visível na entrada do prédio. O motor do drone foi recolhido e entregue aos militares ucranianos. “Ele vai voltar para os russos”, afirma Oleksandr, esboçando um sorriso em meio à ruína — um gesto de desafio e esperança de que, apesar de tudo, o povo de Dobropillia não pretende ceder.