Mesmo após um terremoto devastador que deixou mais de 2.000 mortos, segundo dados oficiais, a junta militar de Mianmar continua a bombardear regiões afetadas pelo desastre natural. A ONU classificou os ataques como "ultrajantes e inaceitáveis", condenando a continuidade das ações militares em meio aos esforços de resgate. Tom Andrews, relator especial da ONU, considerou "incrível" que os militares estejam lançando bombas enquanto há sobreviventes sob os escombros e pediu a suspensão imediata das operações.
Apesar do apelo internacional, a junta realizou um ataque aéreo em Naungcho, no estado de Shan, na sexta-feira à tarde, poucas horas após o tremor. Sete pessoas morreram nesse bombardeio. Na segunda-feira, as forças militares também lançaram ataques terrestres na região de Sagaing, fortemente abalada pelo terremoto, com relatos de bombardeios de morteiros e movimentação de comboios armados.
Enquanto isso, grupos rebeldes pró-democracia, que enfrentam os militares desde o golpe de 2021, denunciam novos bombardeios no município de Chang-U e em áreas próximas à fronteira com a Tailândia. Os ataques ocorrem num momento crítico, em que voluntários e equipes de resgate lidam com a escassez de recursos para atender os sobreviventes da tragédia.
O Governo de Unidade Nacional (NUG), que representa a administração civil deposta, anunciou uma trégua de duas semanas em suas ações ofensivas nas áreas atingidas pelo terremoto, com exceção de atos defensivos. No entanto, a junta militar segue com sua ofensiva aérea, tentando sufocar a resistência e recuperar o controle sobre áreas que perdeu.
Segundo investigações da BBC, o regime militar atualmente controla menos de 25% do território do país, enquanto forças rebeldes e grupos étnicos dominam cerca de 42%, deixando o restante sob disputa. A vantagem aérea é uma das poucas que restam aos militares, já que os rebeldes não possuem recursos para combater no céu.
Esses bombardeios têm atingido escolas, igrejas, hospitais e até pré-escolas, como em Kyaukse, onde foram encontradas mochilas infantis e brinquedos entre os escombros. A ONU acusa a junta de crimes de guerra e contra a humanidade, e alerta que os militares vêm utilizando a ajuda humanitária como arma, bloqueando o acesso às áreas controladas pela resistência.
Mesmo com a devastação causada pelo terremoto de magnitude 7,7, sentido até em países vizinhos, os militares seguem negando socorro às regiões onde há presença rebelde. A prática já foi observada em outras tragédias, com prisões de trabalhadores humanitários e retenção de suprimentos em postos de controle.
Enquanto isso, o número real de mortos pode ser muito maior. O Serviço Geológico dos EUA estima que os óbitos podem ultrapassar os 10 mil. Há relatos de corpos sob os escombros em Mandalay, onde o calor chega a 40?°C, tornando insuportável o cheiro de decomposição nas ruas.
A junta, enfraquecida e com apoio limitado no território, aposta em ataques aéreos como forma de controle. Esse poderio militar, no entanto, é sustentado pelo apoio direto da Rússia e da China, que continuam fornecendo armamentos, aviões de combate e treinamento ao regime, mesmo após pedidos da ONU por um embargo de armas. Ambos os países também enviaram equipes de resgate, gerando críticas e desconfiança entre ativistas, que veem contradição no apoio simultâneo ao socorro e à repressão violenta da população civil.