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Vale a pena ser honesto no Brasil? Debate sobre ética reacende com remake de “Vale Tudo”

Comportamento

Vale a pena ser honesto no Brasil? Debate sobre ética reacende com remake de “Vale Tudo”

A pergunta que inspirou Gilberto Braga a escrever Vale Tudo em 1988 segue atual em 2025: vale a pena ser honesto no Brasil? A dúvida surgiu durante um almoço em família, quando o autor ouviu um comentário sobre um tio delegado que, apesar do cargo, nunca havia levado sequer uma garrafa de uísque para casa. Intrigado com a insinuação, Braga questionou se era possível ser honesto e ainda assim ganhar dinheiro no país — e foi essa inquietação que se transformou no ponto central de uma das novelas mais marcantes da televisão brasileira.

O episódio é relatado na biografia Gilberto Braga – O Balzac da Globo, escrita por Artur Xexéo e Maurício Stycer. A novela nasceu do desejo de explorar o valor da ética em uma sociedade onde, muitas vezes, a desonestidade parece recompensada. Com estreia em 1988, Vale Tudo fez tanto sucesso que agora ganha uma nova versão assinada por Manuela Dias, autora de Amor de Mãe.

Manuela Dias defende que a honestidade ainda vale a pena

Manuela afirma não compartilhar da visão de que o Brasil seja um país de desonestos. Pelo contrário, acredita que a maioria dos brasileiros é honesta e trabalhadora. “Sou do time que acha que vale muito a pena ser honesto, tanto no Brasil quanto em qualquer lugar”, declara, citando a célebre frase atribuída a Epicuro: “Caráter é o que você faz quando ninguém está olhando”.

Discussão antiga: de Sócrates a Gilberto Braga

A pergunta que norteia Vale Tudo remonta à filosofia grega. O economista Eduardo Giannetti lembra da fábula do Anel de Giges, contada por Platão em A República, na qual um camponês encontra um anel que o torna invisível. A questão é: quem continuaria honesto sem medo de ser punido? Sócrates defendia que a honestidade deve prevalecer, mesmo na impunidade.

Para Giannetti, o caráter do brasileiro não mudou tanto desde 1989, mas o contexto do país, sim. Na época da novela, a inflação alta e a insegurança econômica faziam prevalecer o “salve-se quem puder”. Hoje, apesar da estabilidade trazida pelo Plano Real, ainda enfrentamos problemas como o individualismo excessivo e a dificuldade de pensar no longo prazo.

Clóvis de Barros: honestidade é fazer a coisa certa

O filósofo Clóvis de Barros Filho também acredita que vale a pena ser honesto, sempre. Para ele, ética é a arte da convivência, enquanto honestidade é uma referência de conduta. “A honestidade está para a ética assim como a aritmética está para a matemática”, compara. Mesmo sem garantias de recompensa, a honestidade seria o caminho mais justo para viver em sociedade.

Mary Del Priore relembra desonestidades históricas

A historiadora Mary Del Priore destaca que o desrespeito ao interesse público vem desde o Brasil colonial. “O ditado ‘Mateus, primeiro os meus’ era regra”, afirma. Ainda assim, ressalta que existiram exemplos de integridade, como Dom Pedro II, que morreu pobre e sem usufruir do dinheiro público.

Segundo ela, a pergunta feita por Gilberto Braga ainda é extremamente pertinente, pois, apesar das mudanças, há pouca evolução no comportamento coletivo. Para ilustrar, cita até o presidente dos Estados Unidos como exemplo de desonestidade pública.

“Vale a pena, mas é difícil”, diz Roberto Da Matta

O antropólogo Roberto Da Matta oferece uma visão mais realista: “Vale a pena, mas é difícil”. Ele acredita que viver honestamente numa sociedade onde a cultura do favorecimento pessoal é predominante impõe muitos obstáculos. Para exemplificar, conta a história fictícia de Pedro Honorato, um político honesto que perdeu tudo por se recusar a ceder aos pedidos de amigos e familiares.

O Brasil mostra sua cara: a novela e seus símbolos

Na trilha sonora da novela, Brasil, composta por Cazuza, Nilo Romero e George Israel, tornou-se um símbolo da crítica social embutida na trama. Romero lembra que a música foi criada para um filme, mas acabou eternizada na voz de Gal Costa como tema de abertura de Vale Tudo, gravada às pressas na véspera da estreia.

Um dos personagens mais emblemáticos foi Marco Aurélio, interpretado por Reginaldo Faria. Corrupto e cínico, ele fugiu do país após roubar uma empresa, encerrando sua participação com uma “banana” para os telespectadores. Apesar da conduta duvidosa, o personagem foi aplaudido nas ruas — um reflexo da tolerância cultural com a esperteza disfarçada de inteligência.

O final de Marco Aurélio e o espelho da sociedade

A jornalista Ana Paula Guimarães, autora do livro O Brasil Mostra Sua Cara, arrisca o destino do personagem: “É mais provável que ele tenha voltado ao Brasil e se candidatado a um cargo público”. Para ela, essa suposição diz muito sobre como a elite e a corrupção são vistas no país.

A resposta para a pergunta de Gilberto Braga continua em aberto — e talvez seja esse o mérito de Vale Tudo: provocar o debate sobre ética, honestidade e o papel de cada um na construção de uma sociedade mais justa. Afinal, entre o certo e o vantajoso, o que é que vale mesmo a pena?



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