Para contornar os problemas de comunicação causados pela falta de energia e sinal de internet durante as chuvas, moradores do Vale do Cuiabá, em Petrópolis (RJ), criaram uma alternativa eficaz: uma rede de alerta com rádios comunicadores, funcionando como um sistema de “telefone sem fio”. A iniciativa surgiu da vivência de Ana Montenegro, de 60 anos, produtora rural que buscava formas de melhorar a comunicação em situações de emergência, após o trauma da tragédia de 2011.
A proposta, que nasceu em junho de 2023, exigiu a colaboração da comunidade. Devido ao relevo montanhoso da região, o sinal dos rádios é limitado, o que levou à formação de uma rede com 42 pontos de escuta e transmissão de informações, cobrindo desde as áreas mais altas, como o Vale do Cuiabá, até as mais baixas, como o Gentio, onde está sediado o Núcleo Comunitário de Defesa Civil (Nudec).
Experiência pessoal motiva ação voluntária
Cristina Rosário de Oliveira, de 55 anos, atua no Nudec como referência na avaliação de alertas. Sua experiência como vítima e voluntária em desastres naturais a motivou a assumir esse papel. Em 2008, ela sobreviveu a um alagamento grave enquanto estava grávida de sete meses e meio. Apesar de ser resgatada por vizinhos em meio à correnteza, dias depois perdeu o bebê. Em 2011, acolheu famílias afetadas pelas chuvas em sua casa, que acabou se tornando a sede do núcleo. Movida pelo desejo de impedir que outros passem por tragédias semelhantes, Rosário passou a integrar as ações do Nudec.
Comunidade feminina lidera prevenção
O Nudec iniciou atividades com encontros de conscientização chamados “Rodas de Mulheres”, destacando a exposição das mulheres em situações de risco. Atualmente, das 14 pessoas envolvidas no núcleo, apenas duas são homens, sendo o marido e o filho de Rosário. As participantes receberam capacitações e atuaram em simulações de evacuação e no mapeamento de áreas vulneráveis, como regiões suscetíveis a deslizamentos e inundações. A partir do conhecimento local, criaram rotas de fuga alternativas, embora o material ainda aguarde aprovação da Defesa Civil.
Sistema simples, mas eficiente
A rede de rádios, batizada de “Comunicação comunitária – monitoramento comunitário de eventos climáticos de água e fogo”, também serve para detectar focos de incêndio, cada vez mais frequentes na região. Montenegro detalha que a rede funciona tanto por acionamento da Defesa Civil, que pode alertar os moradores para ligarem seus rádios, quanto de forma autônoma, quando os próprios moradores percebem alterações ambientais, como o aumento do nível dos rios.
Conhecimento local supera a tecnologia
Montenegro destaca o valor do saber popular: moradores conseguem prever chuvas pelo cheiro do ar ou pelo som das águas, um tipo de sensibilidade que nenhum equipamento consegue reproduzir. Para ela, esse conhecimento empírico é peça-chave na resposta rápida e eficaz a possíveis desastres.
Modelo pode ser replicado em outras regiões
O sistema foi apresentado no Fórum Nacional de Boas Práticas em Proteção e Defesa Civil, realizado em fevereiro, como um exemplo de estratégia que fortalece a cultura da prevenção de desastres. A experiência vivida por Montenegro e Rosário mostra que, com união, conhecimento e ações coordenadas, é possível minimizar os impactos das mudanças climáticas e salvar vidas.