Agência Brasil
A Educação de Jovens e Adultos (EJA) no Brasil passará a incorporar habilidades voltadas ao uso de tecnologias e redes sociais em seu currículo. Com a proposta de tornar o processo educativo mais conectado à realidade dos alunos, serão incluídas competências como envio de mensagens em redes sociais, identificação de golpes virtuais, uso de aplicativos bancários e até criação de perfis em aplicativos de relacionamento. Neste mês teve início, em nível nacional, a formação específica voltada aos alfabetizadores da EJA, incluindo temas como educação midiática.
De acordo com Daniele Dias, professora da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), é essencial que os alunos aprendam a utilizar as tecnologias de forma crítica e funcional, entendendo seu papel como ferramentas que podem facilitar a vida cotidiana, mas sem criar a ilusão de que resolvem todos os problemas.
Coordenado pela UFPB em parceria com o Ministério da Educação (MEC) e a Cátedra Unesco de EJA, o Programa de Formação de Alfabetizadores e Docentes dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental é a primeira iniciativa nacional de grande alcance para capacitar profissionais que atuam na EJA. Destinado a 1,3 mil formadores regionais, o curso é inteiramente online e vai até 2026. Esses formadores repassarão o conteúdo às redes locais de ensino, chegando até coordenadores e professores.
A iniciativa faz parte do Pacto pela Superação do Analfabetismo e Qualificação na Educação de Jovens e Adultos (Pacto EJA), lançado pelo governo federal em 2024 com o objetivo de valorizar e ampliar o acesso à alfabetização de jovens, adultos e idosos. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 11,4 milhões de brasileiros com 15 anos ou mais ainda não sabem ler ou escrever um bilhete simples.
Tecnologia e alfabetização ampliam a cidadania
Para Daniele Dias, o impacto da alfabetização vai além da leitura e escrita: trata-se de garantir o direito à cidadania. Ela destaca que muitas pessoas dependem de terceiros para criar um perfil em aplicativos como o Tinder ou mesmo para enviar mensagens no WhatsApp, usando apenas áudios por não saberem escrever. Além disso, há quem finja dificuldades visuais para justificar a impossibilidade de ler placas ou itinerários de ônibus, evitando expor o analfabetismo.
Outro ponto importante é a segurança digital. Alfabetizar tecnologicamente esse público significa também reduzir o número de vítimas de golpes virtuais, que afetam especialmente quem não compreende como funciona o ambiente digital. Segundo Dias, é necessário ensinar que o espaço virtual exige cuidados, leitura crítica e análise das informações antes de compartilhá-las.
A importância de reconhecer o saber dos alunos
Desde os anos 1940, a educação de adultos se tornou uma política reconhecida no Brasil. A EJA se divide em dois ciclos: ensino fundamental, para pessoas com 15 anos ou mais, e ensino médio, para alunos a partir dos 18 anos. A formação pode ser concluída em menos tempo que no ensino regular, sendo o fundamental feito em dois anos e o médio em um ano e meio.
No entanto, manter os estudantes na EJA é um dos principais desafios. Segundo o IBGE, quase metade da população com 25 anos ou mais não terminou o ensino médio. Entre 2019 e 2023, o número de matrículas caiu de 3,2 milhões para 2,5 milhões. O investimento, que em 2012 foi de R$ 1,4 bilhão, chegou a apenas R$ 5,4 milhões em 2021, subindo para R$ 38,9 milhões em 2022, ainda distante do ideal.
A abordagem do curso de formação valoriza uma metodologia inspirada em Paulo Freire, que reconhece o saber prévio dos estudantes e o utiliza como ponto de partida. A proposta é respeitar a individualidade dos alunos adultos e idosos, oferecendo uma educação que os reconheça como agentes de transformação.
Desafios e diversidade dos professores da EJA
Marco Antonio de Souza, técnico pedagógico da Secretaria Municipal de Educação de Ourinhos (SP), destaca que muitas vezes os docentes da EJA não possuem formação específica para atuar nessa etapa. Em diversas redes, as aulas são oferecidas como forma de completar carga horária, o que acaba dificultando um preparo mais apropriado.
Segundo ele, lidar com turmas heterogêneas é um dos principais desafios: é comum encontrar jovens, adultos e idosos na mesma sala, além de pessoas com deficiência, trabalhadores informais, mulheres negras, pessoas LGBTQIA+, entre outros perfis. A diversidade exige sensibilidade e capacitação específica por parte dos educadores.
Em Ourinhos, já existia uma formação local a cada quinze dias, mas agora essa lacuna está sendo preenchida pela formação nacional. A cidade pretende propor ao Conselho Municipal de Educação que o curso seja reconhecido oficialmente como atualização docente, e no futuro, tornar a formação obrigatória para atuar na EJA.
Conhecimento como ferramenta de transformação
Luzia Nadja Carneiro, formadora em Teixeira (PB), repassa os conteúdos da formação aos professores nos fins de semana, evitando prejuízos às aulas. Para ela, o investimento atual na qualificação da EJA marca um momento histórico, pois reverte uma visão anterior de que essa modalidade representava apenas custos aos municípios.
Com experiência no ensino regular, Luzia afirma ter se apaixonado pela EJA. Ela destaca como os alunos relatam sentir-se cegos antes de aprender a ler, mas passam a enxergar o mundo com outros olhos após o contato com o conhecimento, que transforma suas vidas.
Formação inédita alcança quase todo o país
A secretária da Secadi/MEC, Zara Figueiredo, informa que todos os estados, o Distrito Federal e 91% dos municípios já aderiram ao Pacto EJA, e as adesões seguem abertas. O MEC vai instituir um grupo técnico que terá três meses para definir metas e indicadores para o monitoramento da iniciativa, com apoio do Ministério do Planejamento e da Controladoria-Geral da União.
Além disso, o MEC encomendou um estudo para avaliar os impactos econômicos da alfabetização de jovens, adultos e idosos, com previsão de divulgação ainda neste semestre. Para Figueiredo, a alfabetização é essencial não apenas do ponto de vista da cidadania, mas também para a economia e a democracia do país, sendo uma prioridade inegociável.