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Comportamento
24/03/2025 02:00:00

Transtorno de acumulação leva ao isolamento e coloca vidas em risco

Transtorno de acumulação leva ao isolamento e coloca vidas em risco

Agência Brasil

Durante a madrugada da última quarta-feira (19), um incêndio atingiu uma casa de três andares no bairro de Realengo, na zona oeste do Rio de Janeiro. O morador, um idoso, em vez de buscar abrigo, tentou retornar ao imóvel em chamas duas vezes e precisou ser contido pelo Corpo de Bombeiros. O que o movia não era a tentativa de resgatar um parente, mas sim o apego aos inúmeros objetos e ao lixo acumulado no local, o que alimentava o fogo e dificultava o combate às chamas.

Esse episódio ilustra de forma clara os riscos que o transtorno de acumulação representa não apenas para quem sofre com ele, mas também para vizinhos e profissionais de resgate. De acordo com o major Fábio Contreiras, porta-voz do Corpo de Bombeiros do Estado do Rio de Janeiro, situações semelhantes são cada vez mais comuns nas ocorrências atendidas pela corporação. Ele alerta que a acumulação representa uma ameaça significativa à vida das pessoas, exigindo frequentemente arrombamentos para acesso às vítimas que sofrem quedas ou passam mal dentro de casa.

Contreiras ressalta que, em muitos casos, os materiais acumulados bloqueiam portas e janelas, dificultando a ventilação e impedindo saídas de emergência. Isso obriga os bombeiros a utilizarem diversos equipamentos para ultrapassar os bloqueios formados por pilhas de objetos. Segundo ele, itens como caixas de papelão, livros, roupas, alimentos e produtos de limpeza, muitos inflamáveis, tornam o incêndio mais intenso e de rápida propagação. Ele também lembra que, além do fogo, o risco de acidentes como quedas e soterramentos por objetos é alto, sem contar os problemas sanitários provocados por mofo, poeira, pragas e alimentos deteriorados.

Fatores emocionais e isolamento contribuem para o transtorno

O psicólogo José Maria Montiel, professor do Programa de Ciências do Envelhecimento da Universidade São Judas Tadeu, aponta que a acumulação está ligada a fatores psicológicos e emocionais, sendo a ansiedade uma das principais causas. Ele explica que, com o passar do tempo, principalmente durante o envelhecimento, a solidão intensifica o comportamento acumulador. Muitos acreditam que precisarão dos objetos no futuro, perdendo gradualmente a noção da realidade.

Montiel diferencia o colecionador do acumulador: enquanto o primeiro se limita a itens específicos, o segundo junta diversos tipos de objetos, como potes, sacolas, papéis e utensílios domésticos. Ele observa que, apesar de o transtorno também afetar jovens, é mais perceptível em pessoas mais velhas que já se distanciaram da vida social. O isolamento, segundo ele, contribui para que o acúmulo se torne uma forma de preencher o vazio da rotina. A condição atinge todas as classes sociais e níveis de escolaridade.

Tratamento requer abordagem integrada

O tratamento para o transtorno de acumulação, segundo Montiel, deve ser interdisciplinar e envolver psicoterapia, apoio familiar e social. Ele destaca que a dificuldade maior está no fato de que os acumuladores geralmente não reconhecem que estão doentes, por acreditarem que o comportamento é normal e até necessário. A ajuda só costuma ser procurada quando a situação se torna insustentável, como a impossibilidade de circular dentro de casa.

O psiquiatra Leonardo Baldaçara, professor da Universidade Federal do Tocantins e diretor regional da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), reforça que o transtorno causa impactos severos na vida do indivíduo. Ele alerta que a acumulação pode estar associada ao transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) ou à demência, e nem sempre o paciente tem consciência da gravidade. Aqueles que reconhecem o problema tendem a desenvolver sintomas depressivos e ansiosos.

Baldaçara orienta que, em situações de risco, os familiares devem acionar o Samu ou equipes do Programa de Saúde da Família, que podem tentar conduzir a pessoa ao atendimento adequado, onde um profissional de saúde poderá avaliar a gravidade do caso.

Famílias também são afetadas

A psicóloga Ivana Portella, fundadora da empresa A Casa com Vida, especializada na formação de profissionais de organização, afirma que o transtorno atinge todo o núcleo familiar. Ver um ente querido vivendo em meio ao acúmulo gera sofrimento e impotência. Segundo ela, os acumuladores se sentem acolhidos pelos próprios objetos e resistem a qualquer tentativa de intervenção.

Portella explica que o trabalho de um personal organizer em casos como esse só é possível após diagnóstico psicológico ou psiquiátrico, pois, sem conscientização, qualquer esforço será em vão. O organizador precisa agir com orientação profissional para evitar reações adversas do acumulador, como surtos, ao verem seus objetos mexidos ou descartados.

O processo de triagem só terá êxito se houver consentimento do paciente, que deve se desfazer dos itens por vontade própria. Se não houver essa conscientização, o espaço voltará a ser preenchido, repetindo o ciclo. Portella finaliza dizendo que o trabalho de recuperação é lento e delicado, e só trará resultados duradouros se o acumulador realmente estiver disposto a mudar.



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