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Mundo
24/03/2025 00:00:00

Cristãos na Síria: entre o recomeço e a insegurança

Cristãos na Síria: entre o recomeço e a insegurança

A queda de Bashar al-Assad desencadeou um período de incerteza para as minorias religiosas sírias, incluindo os cristãos, que agora também questionam o papel desempenhado por seus líderes religiosos durante os anos de ditadura. O recente massacre de civis alauítas na costa do país intensificou esse clima de tensão. No dia 6 de março, antigos aliados do antigo regime atacaram forças do novo governo, o que resultou numa violenta retaliação e centenas de mortes entre os alauítas, grupo religioso historicamente ligado à família Assad.

Embora os cristãos não tenham sido alvo direto desses confrontos, a circulação de desinformação e a postura ambígua do novo governo contribuíram para ampliar o sentimento de insegurança entre eles. Antes do início da guerra civil em 2011, os cristãos representavam cerca de 10% da população síria. Hoje, não há dados exatos sobre sua presença, já que estão divididos entre onze diferentes ramos religiosos, com maior número nas igrejas Ortodoxa Grega e Greco-Católica Melquita, esta última associada ao Vaticano. Havia ainda uma comunidade protestante com cerca de 300 mil membros antes do conflito.

Com a derrubada do regime em 8 de dezembro de 2024 pelo grupo islâmico Hayat Tahrir al-Sham (HTS – Organização para a Libertação do Levante), aumentou entre os cristãos o temor de uma possível “islamização” do país. O teólogo sírio-ortodoxo Assaad Elias Kattan, professor na Universidade de Münster, na Alemanha, observa que o novo presidente Ahmed al-Sharaa tem feito gestos a favor da diversidade religiosa, mas o rumo político da nova administração ainda não está claro.

Liderança religiosa sob escrutínio após anos de silêncio

Kattan destaca que a Síria enfrenta um período de transição desordenado, com a segurança frágil fora da capital, Damasco, e ainda distante de ser plenamente restaurada. Durante esse cenário instável, ocorreram incidentes que agravaram os receios. Vídeos mostram, por exemplo, um homem armado destruindo uma árvore de Natal em Aleppo. Em outro episódio, uma igreja ortodoxa em Hama foi atacada, resultando em disparos contra o prédio e danos a uma cruz. O HTS condenou essas ações e atribuiu os atos a “elementos desconhecidos” que estariam minando os compromissos de tolerância religiosa.

No meio desse cenário, surgem críticas cada vez mais fortes dentro da comunidade cristã em relação à atuação dos líderes religiosos durante os anos de Assad. Muitos cristãos, tanto na Síria quanto no exílio, se uniram aos protestos populares em 2011, sendo igualmente vítimas de repressão, prisões e torturas. Apesar disso, a maioria das lideranças eclesiásticas manteve apoio incondicional ao regime, promovendo a imagem de Assad como defensor das minorias religiosas, inclusive perante a comunidade internacional.

Mesmo diante de crimes como bombardeios em áreas civis, uso de gás venenoso e tortura sistemática de opositores, os principais representantes das igrejas cristãs não emitiram críticas públicas. O então patriarca da Igreja Greco-Melquita, Gregory Laham, chegou a afirmar em 2015 ao jornal alemão Frankfurter Allgemeine que Assad era alvo de uma “campanha de difamação”. Ele permaneceu no cargo até sua aposentadoria em 2017 sem recuar dessa posição.

Pressão por reconhecimento de erros e pedidos de desculpas

Para Kattan, esse alinhamento dos líderes religiosos ao regime é “profundamente lamentável”. Em artigo publicado no jornal libanês Almodon, ele cobra uma revisão crítica dessa postura, defendendo que os responsáveis reconheçam publicamente seus erros: “Sim, cometemos falhas”, afirma. Segundo ele, não se exigia uma oposição direta por parte dos bispos, mas ao menos um distanciamento ético frente a um governo repressivo.

O teólogo protestante Najib George Awad, atualmente professor na Universidade de Bonn, reforça a decepção de muitos cristãos com seus líderes. Ele critica a forma como se deixaram instrumentalizar pela ditadura, ajudando a construir uma imagem positiva de Assad para o mundo, mesmo diante da brutalidade do regime. Awad esteve entre os apoiadores das manifestações populares desde o início e diz que a liberdade religiosa garantida dentro das igrejas desaparecia no momento em que os cristãos se posicionavam contra o regime.

Relatos de ativistas apontam que milhares de cristãos, principalmente jovens, foram encarcerados após protestos ou distribuição de panfletos contrários ao governo. Muitos se sentem traídos por seus próprios líderes religiosos, que pouco fizeram diante da perseguição. Hind Kabawat, única cristã na comissão que organiza a conferência para a transição política do país, confirma que havia padres que apoiavam os ativistas, mas também outros que os denunciaram ao serviço secreto, sendo, segundo ela, corresponsáveis por suas mortes.

Kabawat defende que esses religiosos sejam responsabilizados da mesma forma que todos os demais envolvidos em crimes cometidos durante a era Assad. O futuro dos cristãos na Síria, portanto, dependerá não só da estabilidade do novo regime, mas também da coragem da própria comunidade em revisitar seu passado e exigir justiça e verdade de seus líderes.



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