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Saúde
21/03/2025 07:00:00

Suplementos de ferro funcionam? O desafio global no combate à deficiência do nutriente

Suplementos de ferro funcionam? O desafio global no combate à deficiência do nutriente

Megan Ryan, moradora do interior do estado de Nova York, começou a notar um cansaço persistente, mas atribuiu isso à rotina intensa. Como mãe solo de uma criança de três anos e trabalhando em tempo integral, achou que o esgotamento fazia parte do seu dia a dia. Quase todas as tardes, ao buscar o filho na creche, adormecia ao lado dele na hora da soneca, sem dar muita importância ao fato.

"Eu apenas pensava: 'é assim que a maternidade é'", relembra.

Foi apenas em um exame de rotina, em junho de 2023, que seu médico perguntou se ela sentia fadiga excessiva. O resultado do exame de sangue apontou anemia causada por deficiência de ferro. Ao analisar melhor, percebeu outros sinais do problema. Apesar de ser ativa, começou a se sentir sem fôlego ao fazer suas caminhadas habituais. Durante a gravidez, já havia enfrentado essa deficiência, quando sua parteira desconfiou do quadro após ela manifestar um desejo inusitado: comer gelo. Esse é um sintoma comum da alotriofagia, ou síndrome de pica, que indica carência de ferro.

Deficiência de ferro, anemia e seus impactos

A anemia ocorre quando há produção insuficiente de glóbulos vermelhos ou hemoglobina, substância responsável pelo transporte de oxigênio pelo corpo. Essa condição pode ter diversas causas, mas cerca de metade dos casos estão relacionados à deficiência de ferro.

Nos adultos, a anemia ferropriva provoca fraqueza, cansaço extremo e falta de ar. Em bebês e crianças pequenas, além desses sintomas, pode causar distúrbios do sono, levando a despertares noturnos frequentes, inquietação e dificuldade para adormecer.

A deficiência de ferro é o problema nutricional mais comum no mundo, afetando uma em cada três pessoas, sobretudo crianças e mulheres em idade fértil. Em gestantes, essa carência pode comprometer o desenvolvimento cerebral do feto e aumentar os riscos de baixo peso ao nascer, parto prematuro, aborto espontâneo e natimorto.

Nos primeiros anos de vida, a falta de ferro pode ter impactos no desenvolvimento infantil, incluindo problemas comportamentais e cognitivos. Estudos indicam que crianças com deficiência desse nutriente tendem a ser mais insatisfeitas, menos felizes e socialmente mais retraídas. Além disso, podem apresentar menor coordenação motora e dificuldades cognitivas, que persistem mesmo após a correção do problema.

Entre os adultos, a carência de ferro está entre as principais causas de incapacidade global e, em casos mais graves, pode ser fatal.

A persistência do problema

"A deficiência de ferro é um problema global sério", afirma Michael Zimmermann, professor de nutrição humana da Universidade de Oxford, no Reino Unido. Especialista em micronutrientes, ele ressalta que essa condição não desaparecerá rapidamente e está associada a diversas incapacidades.

Embora a ciência concorde que a deficiência de ferro seja comum, ainda há debates sobre sua definição exata e o risco que representa para a saúde quando não há outros sintomas. Uma questão fundamental é determinar em que momento a suplementação deve ser recomendada.

Alguns grupos populacionais estão mais suscetíveis a essa deficiência. Mulheres, por exemplo, são mais propensas devido à perda regular de sangue durante a menstruação. Um estudo com doadores de sangue nos Estados Unidos apontou que 12% das mulheres tinham baixos níveis de ferro, em comparação com menos de 3% dos homens. A gravidez também é um fator de risco, pois a demanda por nutrientes aumenta para o desenvolvimento do feto. No Reino Unido, 46% das gestantes apresentam anemia em algum momento da gestação, embora nem todos os casos sejam diretamente ligados à falta de ferro.

Outros fatores que podem elevar o risco de deficiência incluem dietas vegetarianas ou veganas, prática de esportes de resistência e doação frequente de sangue. Além disso, doenças como problemas hepáticos e doença celíaca podem prejudicar a absorção do ferro pelo organismo.

O ferro na infância: um período crítico

As crianças estão entre os grupos mais vulneráveis à deficiência de ferro, pois o mineral é essencial para seu crescimento e desenvolvimento.

"O crescimento mais acelerado da vida ocorre na infância", destaca Mark Corkins, presidente do Comitê de Nutrição da Academia Americana de Pediatria (AAP). "O peso corporal triplica no primeiro ano de vida, e a altura dobra."

Esse crescimento exige um aumento na produção de sangue, e os glóbulos vermelhos dependem do ferro para transportar oxigênio aos tecidos, incluindo o cérebro.

Nos países de baixa renda, a deficiência de ferro em bebês é alarmante. Em estudos conduzidos na África, Zimmermann encontrou taxas de anemia ferropriva superiores a 70% em bebês de seis a 12 meses de idade. Mas mesmo em nações mais ricas, onde há alimentos fortificados, o problema persiste. Nos Estados Unidos, cerca de 4% das crianças pequenas têm anemia ferropriva e aproximadamente 15% apresentam deficiência de ferro.

No entanto, níveis baixos de ferro nem sempre indicam anemia. Segundo o hematologista Sant-Rayn Pasricha, especialista em deficiência de ferro, a condição pode ser vista como um estágio anterior à anemia. Quando os estoques de ferro diminuem, o corpo passa a produzir glóbulos vermelhos menores, e a hemoglobina pode cair abaixo do nível saudável, caracterizando a anemia ferropriva.

O debate sobre a suplementação

Especialistas divergem sobre a necessidade de tratar a deficiência de ferro quando não há sintomas evidentes. Um estudo analisado por Pasricha indicou que mulheres com deficiência de ferro que relatavam fadiga se sentiram melhor após suplementação. No entanto, aquelas que não apresentavam cansaço não notaram diferenças após o tratamento.

Estudos mostram que a anemia ferropriva pode prejudicar a capacidade cognitiva infantil, mas há questionamentos se a deficiência de ferro, por si só, causa esses efeitos ou se é um indicativo de outros problemas nutricionais ou socioeconômicos.

A suplementação em crianças também levanta debates. Embora a AAP recomende gotas de ferro para bebês amamentados exclusivamente, pesquisas não encontraram benefícios claros no desenvolvimento infantil com essa medida. Um grande estudo em Bangladesh, envolvendo 3,3 mil bebês, revelou que a suplementação aumentou os níveis de ferro e hemoglobina, mas sem impacto significativo no desenvolvimento neurológico.

Além disso, algumas pesquisas sugerem que a suplementação desnecessária pode ter desvantagens. Bebês que receberam ferro sem precisar apresentaram menor crescimento e ganho de peso. Crianças alimentadas com fórmulas infantis com alto teor de ferro tiveram desempenho inferior em testes cognitivos na infância e adolescência, em comparação com aquelas que consumiram fórmulas com baixo teor de ferro.

Outro fator de preocupação é o impacto da suplementação no microbioma intestinal. O ferro favorece o crescimento de bactérias, incluindo patógenos como a E. coli. Como o leite materno contém pouco ferro, mas tem compostos protetores que impedem a proliferação dessas bactérias, a introdução de suplementos pode desequilibrar o microbioma do bebê.

A melhor abordagem?

Quando há sintomas de deficiência de ferro, a suplementação pode ser a forma mais rápida de correção. Estudos indicam que atletas de resistência, por exemplo, apresentam melhora no desempenho aeróbico com o uso de ferro. No entanto, a decisão de suplementar, especialmente em crianças, deve ser feita com orientação médica.

O ideal é que as necessidades de ferro sejam supridas por meio da alimentação. Alimentos ricos no mineral, como carnes vermelhas, fígado, leguminosas, nozes e frutas secas, são recomendados.

A AAP sugere que bebês de 6 a 12 meses consumam 11 mg de ferro por dia, crianças de 1 a 3 anos precisam de 7 mg, e aquelas de 4 a 8 anos, 10 mg. Alimentos fortificados também desempenham um papel importante, especialmente para crianças pequenas que ainda não consomem muitas fontes naturais de ferro.

Megan Ryan conseguiu recuperar seus níveis de ferro tanto na gravidez, com suplementação, quanto em 2023, por meio de infusões hospitalares. O tratamento foi longo, mas ela finalmente percebeu a diferença. "Com o tempo, minha fadiga desapareceu", conta.



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