Com a crescente incerteza sobre o compromisso dos Estados Unidos com a Otan e o temor de uma escalada russa no leste europeu, a União Europeia (UE) e seus aliados tentam reforçar sua capacidade militar. O bloco anunciou um pacote de empréstimos de 150 bilhões de euros para a defesa e o provável novo chanceler da Alemanha, Friedrich Merz, prometeu investimentos robustos no setor.
Apesar desse movimento, dados do Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (Sipri) revelam que os países europeus ainda dependem amplamente dos armamentos americanos. De 2020 a 2024, quase dois terços das armas importadas pelos membros europeus da Otan vieram dos EUA, um aumento expressivo em relação aos 52% do período entre 2015 e 2019. No caso da Alemanha, a parcela de importações de armamentos americanos saltou de menos de 10% para 70%.
Especialistas apontam que o maior desafio da Europa não é a falta de capacidade industrial, mas sim o tempo e o custo necessários para expandir sua produção. O think tank belga Bruegel destaca que a maior dependência da Europa está nos chamados "facilitadores estratégicos", como satélites e sistemas de comunicação militar, onde os EUA mantêm grande vantagem.
A Europa tem uma base industrial significativa no setor de defesa, com faturamento de US$ 316 bilhões em 2023, ainda distante dos US$ 829 bilhões dos EUA. No entanto, a aposta no crescimento das empresas europeias pode mudar esse cenário.
A Alemanha, maior economia da UE, desempenha um papel central nesse processo. A flexibilização de regras fiscais para gastos militares pode transformar a indústria de defesa do país e impulsionar aliados como França e Reino Unido a seguirem o mesmo caminho. A fabricante de armas Rheinmetall, por exemplo, registrou um aumento de 36% no faturamento, atingindo 9,8 bilhões de euros em 2024, com um crescimento de 50% no setor militar.
O grande dilema da UE é se deve investir rapidamente na compra de armamentos externos para suprir suas deficiências ou adotar uma estratégia de longo prazo focada na produção própria. A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, defende que os novos empréstimos sejam utilizados exclusivamente para fortalecer a indústria de defesa europeia, incluindo aliados como Reino Unido e Noruega, mas excluindo fornecedores de fora do continente.
Outro desafio é a tradicional dificuldade dos países europeus em coordenar suas aquisições militares. Enquanto os EUA oferecem um sistema simplificado de vendas militares, os países europeus tendem a comprar individualmente, o que fragmenta o mercado e dificulta o fortalecimento de um setor unificado no continente.
Embora especialistas apontem que a Europa dificilmente conseguirá se tornar autossuficiente militarmente nos próximos três anos, há otimismo de que em um prazo de cinco anos o cenário possa ser diferente. Para isso, será necessário um esforço político conjunto para fortalecer a cooperação no setor de defesa e reduzir a dependência dos EUA.
Se a Alemanha conseguir liderar um aumento significativo nos gastos com defesa, isso pode pressionar França e Reino Unido a seguirem o mesmo caminho, acelerando a transição para uma Europa menos dependente militarmente de Washington. No entanto, a velocidade dessa mudança dependerá da disposição dos governos europeus em priorizar uma estratégia de defesa integrada e coordenada no continente.