O ano de 2024 começou com um cenário animador para o consumo no Brasil, com supermercados mais cheios e maior variedade de produtos no carrinho de compras, além do aumento de 9% na frequência de refeições em bares, restaurantes e cafeterias em relação a 2023. Porém, esse ritmo de crescimento perdeu força no último trimestre do ano, quando o brasileiro passou a reduzir gastos fora de casa e buscar alternativas para economizar, especialmente no supermercado, como mostram dados da Kantar divulgados à BBC News Brasil.
Diante da alta dos preços e da necessidade de reequilibrar o orçamento, o consumidor passou a fazer escolhas estratégicas para balancear as despesas, ganhando o apelido de "equilibrista", segundo Pedro Soares, diretor de contas da divisão Worldpanel da Kantar.
Os números reforçam a desaceleração do consumo e coincidem com a alta da inflação de alimentos e bebidas em 2024, que subiu 7,69%, quase o dobro do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que fechou o ano em 4,83%. Dentro de casa, o custo médio das refeições aumentou 8,23%, enquanto comer fora ficou 6,29% mais caro, segundo o IBGE.
Com o encarecimento da vida, especialmente para as classes D e E, os hábitos de consumo foram repensados, e o impacto foi sentido diretamente na popularidade do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A piora na avaliação da gestão foi registrada por diferentes pesquisas, como o Datafolha, que apontou queda de 35% para 24% na aprovação "excelente" ou "boa" entre dezembro e fevereiro, e alta de 34% para 41% entre os que consideram o governo "ruim" ou "péssimo".
Em resposta, o vice-presidente Geraldo Alckmin anunciou um pacote de medidas para tentar conter a alta dos preços dos alimentos. Entre elas, está a isenção de impostos de importação para itens como carne, café, açúcar, milho, azeite, sardinha, biscoitos e massas. Além disso, o governo pretende direcionar mais recursos do Plano Safra para produtores da cesta básica e fortalecer os estoques públicos de alimentos.
Para analistas, a inflação dos alimentos é hoje o principal fator que pressiona a popularidade do governo. Christopher Garman, da consultoria Eurasia Group, apontou que essa é a principal fragilidade de Lula no momento. Pesquisas recentes também indicam queda expressiva na aprovação do governo entre os mais pobres, justamente o grupo mais impactado pelos preços mais altos da comida.
Ao longo de 2024, apesar dos desafios, o consumo cresceu 5,1% em unidades em relação ao ano anterior, e os lares passaram a acessar mais categorias de produtos, superando, pela primeira vez, a média de 50 categorias por trimestre. Essa expansão ocorreu em todas as classes sociais e incluiu desde itens básicos até produtos como isotônicos, chocolates e tratamentos capilares.
Porém, no fim do ano, os sinais de desaceleração ficaram claros. A frequência de refeições fora de casa subiu apenas 4,1% no último trimestre, menos da metade do crescimento registrado no ano completo. Nos supermercados, o consumidor passou a ir mais vezes às lojas, com aumento de 8% nas visitas, mas gastando menos por compra, com queda de 0,4% no valor médio por visita.
Mudanças no perfil de consumo também chamaram atenção, com trocas de itens como frango por empanados, café torrado por café solúvel e a redução na compra de sorvete, substituído por biscoitos. Até a cerveja perdeu espaço no carrinho, dando lugar a opções como água e refrigerante. E, para economizar, muitos consumidores passaram a recorrer mais ao atacarejo, inclusive para pequenas compras, e intensificaram o uso de canais digitais para adquirir produtos como bebidas, itens de higiene e ração para pets.
Mesmo com a perda de fôlego no fim do ano, o consumo medido pela Kantar não chegou a registrar retração, e a expectativa para 2025 é de estabilidade nas despesas com a cesta de consumo. No entanto, essa manutenção dos gastos não representa necessariamente alívio para o governo, principalmente diante do desgaste da imagem do presidente junto às camadas mais pobres da população.
O impacto nas classes D e E foi ainda mais expressivo. No último trimestre de 2024, essas faixas de renda foram as únicas que reduziram a frequência de refeições fora de casa, com queda de 10%, enquanto houve aumento entre os demais grupos. No supermercado, esse público comprou 0,6% menos em volume e elevou o gasto médio de forma mais tímida, com alta de 4,3%, bem abaixo dos cerca de 8,5% registrados nas classes A, B e C.
Esses mesmos grupos, mais vulneráveis à alta dos preços dos alimentos, registraram a maior queda na avaliação positiva do governo Lula. Segundo o Datafolha, entre os brasileiros com renda inferior a dois salários mínimos, a aprovação como "excelente" ou "boa" caiu de 49% para 29% entre dezembro e fevereiro. Mulheres, que também destinam maior parte da renda à alimentação, viram a avaliação positiva cair de 38% para 24% no mesmo período.
Um estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV) apontou que, em janeiro de 2025, as famílias com renda entre um e 1,5 salário mínimo destinavam 22,61% do orçamento para a compra de alimentos, bem acima dos 18,44% registrados em janeiro de 2018. Esses números reforçam como o aumento no custo da comida pesa no bolso dos mais pobres e contribui para a insatisfação com o governo.