A coordenadora da ONU no Haiti, Ulrika Richardson, destacou nesta quinta-feira a gravidade da crise que atinge o país, classificada como “sem precedentes” devido à escalada da violência provocada por gangues. Durante a apresentação do novo plano de resposta humanitária para 2024, ela afirmou que cada dado sobre a situação local representa um novo recorde negativo e ressaltou o sofrimento extremo enfrentado pelos haitianos, marcado por relatos constantes de medo, trauma e exaustão.
Violência de gangues provoca aumento no deslocamento forçado
De acordo com Richardson, os ataques violentos em bairros de Porto Príncipe já forçaram mais de 1 milhão de pessoas a abandonarem suas casas, número três vezes maior do que o registrado no ano anterior. Muitas dessas residências foram invadidas ou incendiadas por criminosos, enquanto crianças são coagidas a se juntar às gangues em troca de comida, sendo submetidas a práticas cruéis.
A representante também expressou preocupação com o fluxo migratório em fuga do Haiti, alertando para os riscos enfrentados por aqueles que tentam sair do país, já que grupos armados também dominam importantes rotas terrestres. Só em 2023, cerca de 400 mil haitianos deixaram o território, e a ONU voltou a pedir que outras nações evitem deportar esses indivíduos em situação de vulnerabilidade.
ONU solicita US$ 900 milhões para ações humanitárias em 2024
O novo plano humanitário para este ano prevê um orçamento de aproximadamente US$ 900 milhões. No ano passado, a meta de US$ 600 milhões foi parcialmente atingida, com apenas 43% dos recursos arrecadados — sendo os Estados Unidos responsáveis por cerca de 60% desse total. Segundo Richardson, o bloqueio temporário nas operações do governo norte-americano tem impacto significativo no financiamento das ações no Haiti, mas ela segue otimista quanto à mobilização de fundos.
Além do atendimento emergencial, a representante da ONU reforçou a necessidade de criar oportunidades para os jovens haitianos, a fim de evitar que ingressem no crime organizado, em um país que enfrenta altos índices de desemprego e seis anos consecutivos de recessão econômica.
Missão Multinacional de Apoio à Segurança avança com reforço de operações
Em busca de soluções para a crise, o secretário-geral da ONU, António Guterres, enviou ao Conselho de Segurança uma proposta para fortalecer a Missão Multinacional de Apoio à Segurança no Haiti (MSS), sugerindo a criação de uma missão das Nações Unidas com foco em apoio logístico, sem o envio de tropas de paz tradicionais, uma vez que considera inviável manter a paz em um ambiente tão instável.
Com cerca de 800 policiais já posicionados e próximo de alcançar a meta de mil agentes, a MSS iniciou uma nova etapa, marcada por operações conjuntas com a Polícia Nacional, que devem ser intensificadas nos próximos meses, conforme destacou Ulrika Richardson.
Gangues ocupam espaço deixado pelo Estado
Para o especialista em direitos humanos da ONU no Haiti, William O'Neill, a falta de presença do Estado, agravada pela corrupção e má gestão pública, abriu caminho para o domínio das gangues, principalmente nas regiões mais pobres da capital. Segundo ele, a ausência de alternativas levou muitos jovens — quase metade dos integrantes das organizações criminosas — a se envolverem com esses grupos por falta de opções de trabalho e diante da fome em suas famílias.