O filme Ainda Estou Aqui, dirigido por Walter Salles, entrou para a história ao conquistar o Oscar de Melhor Filme Internacional em 2025. A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas reconheceu a obra brasileira neste domingo (2/3), marcando a primeira vez que uma produção do Brasil leva a cobiçada estatueta destinada a longas produzidos fora dos Estados Unidos e predominantemente em línguas diferentes do inglês.
Embora Orfeu Negro tenha sido premiado em 1960, a vitória contou para a França, país do diretor Marcel Camus, apesar do filme ter sido rodado no Brasil, em português e com elenco nacional. Já o Brasil havia ficado próximo do prêmio com obras como O Pagador de Promessas (1963), O Quatrilho (1996), O Que É Isso Companheiro? (1998) e Central do Brasil (1999).
Além de Melhor Filme Internacional, Ainda Estou Aqui também conquistou a inédita indicação brasileira na categoria principal, de Melhor Filme, e contou com Fernanda Torres concorrendo como Melhor Atriz.
Inspirado no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, o longa retrata a história de Eunice Paiva (interpretada por Fernanda Torres), que enfrentou a dor do sequestro e assassinato do marido, o ex-deputado Rubens Paiva, durante a ditadura militar (1964-1985). A trama acompanha sua incansável luta por justiça e preservação familiar, transformando-a em símbolo de resistência.
Para Walter Salles, o sucesso da produção reflete sua mensagem sobre resistência em tempos de fragilidade democrática global. Antes de brilhar no Oscar, o filme acumulou prêmios de prestígio como o Globo de Ouro, Goya, e honrarias nos festivais de Veneza e Roterdã, além de ter sido exibido em mais de 700 salas nos Estados Unidos.
Com 97% de aprovação no Rotten Tomatoes, Ainda Estou Aqui encantou a crítica mundial, figurando na lista dos melhores filmes de 2024 da BBC. Para a crítica Caryn James, a força do filme está na combinação potente entre o pessoal, o político e o artístico, abordando o impacto devastador da política na vida íntima das pessoas em tempos de autoritarismo crescente.
A produção foi exaltada como uma das mais marcantes sobre maternidade pelo jornal britânico The Times, que destacou a autenticidade e a força da atuação de Fernanda Torres.
Apesar do amplo reconhecimento, algumas críticas surgiram. Peter Bradshaw, do The Guardian, sentiu falta de maior expressão da indignação e horror presentes na história real. Outros críticos, como Inácio Araújo e Saymon Nascimento, apontaram que a delicadeza típica de Walter Salles suavizou o potencial político da obra.
O impacto do filme ultrapassou o cinema. Com sua estreia e o debate público gerado, o Supremo Tribunal Federal voltou a discutir a Lei da Anistia, que perdoa crimes da ditadura militar. A retomada do caso de Rubens Paiva no STF e em outras esferas do Judiciário reacendeu discussões sobre justiça para crimes cometidos durante o regime militar, impulsionadas pela visibilidade que o filme trouxe ao tema.
Rubens Paiva foi deputado federal cassado em 1964, exilado e, ao retornar ao Brasil, preso e desaparecido em 1971. Quatro décadas depois, sua morte foi oficialmente reconhecida, mas os responsáveis ainda não foram punidos. Enquanto isso, o Conselho Nacional de Direitos Humanos continua a investigar o caso, ao lado de outros episódios emblemáticos do período.
Ao premiar Ainda Estou Aqui, o Oscar não só consagrou um marco do cinema nacional, mas também trouxe à tona uma ferida histórica que permanece aberta no Brasil, fortalecendo a memória e a busca por justiça.