Em três anos de guerra, dezenas de milhares de militares ucranianos passaram por treinamentos no exterior, adquirindo desde habilidades básicas até o manuseio de armamentos ocidentais. Países como Reino Unido, Noruega, Alemanha e França, além de outros membros da União Europeia, têm oferecido esse suporte.
Um desses soldados, de codinome "Mara", integra a 114ª Brigada de Defesa Territorial da Ucrânia e concluiu um treinamento básico de dois meses na França no segundo semestre de 2023. Ele relata que os instrutores ocidentais nem sempre compreendem a natureza do conflito ucraniano, pois estão acostumados a enfrentar grupos terroristas sem tanques, artilharia ou drones.
Mara sentiu falta de treinamentos com drones e em medicina militar de emergência e considerou desnecessários os exercícios de montagem e desmontagem de acampamento. "Ninguém faz isso aqui. Quando começa o fogo de artilharia, nos escondemos nos buracos imediatamente, não desmontamos barracas primeiro", explica.
Por outro lado, ele destaca a utilidade dos exercícios de tiro, especialmente os noturnos e em áreas urbanas, além do treinamento de fuga em uma cidade cenográfica com condições semelhantes às da Ucrânia. Durante essa simulação, sua unidade teve que se deslocar por esgotos, onde os instrutores espalharam carne podre para simular um ambiente de guerra realista. "Eles diziam que na guerra precisaríamos rastejar sobre cadáveres, e foi exatamente isso que aconteceu quando voltamos para a Ucrânia", conta Mara, ressaltando que essa experiência os ajudou psicologicamente.
Outros soldados treinados no exterior apontam falhas na organização dos exercícios. Um integrante da Guarda Nacional, treinado na Polônia em outubro de 2024, afirma que sua unidade não possuía experiência de combate na época, o que limitou o aprendizado. Um soldado da 153ª Brigada Mecanizada, treinado na Alemanha, criticou a falta de coordenação, já que sua unidade foi formada apenas para o exercício, sem experiência prévia em conjunto. Além disso, receberam treinamento com morteiros americanos, mas foram enviados ao combate com morteiros ucranianos, exigindo um novo aprendizado no front.
Já Danylo Khrebtov, da 35ª Brigada de Infantaria da Marinha, avaliou positivamente seu treinamento na Noruega em 2022, onde aprendeu a operar o sistema de mísseis Hellfire. Ele destacou que os instrutores tinham experiência de combate no Afeganistão e que seu conhecimento foi crucial para a destruição de fortificações russas. No entanto, criticou a seleção de alguns soldados para o curso, afirmando que alguns só foram treinados devido a conexões familiares com oficiais superiores e, ao retornarem, não foram para o front.
Nem sempre o treinamento corresponde ao prometido. Um soldado da defesa territorial enviado à Eslováquia em julho de 2023 esperava instruções sobre armamentos modernos e medicina militar de emergência, mas recebeu apenas um treinamento básico para recrutas. Após ajustes, passou a treinar com equipamentos soviéticos remanescentes do Exército eslovaco, o que considerou útil, apesar da duração excessiva de um mês.
Experiências semelhantes ocorreram na República Tcheca, onde ele participou de um curso de "médico de combate" em outubro de 2023. Como o grupo era composto por soldados com diferentes níveis de experiência, o curso foi direcionado aos menos experientes, tornando o aprendizado pouco desafiador para aqueles com maior vivência no front.
Além dos treinamentos para soldados, há também cursos para instrutores ucranianos. Em fevereiro de 2024, "Ranger", sargento da 59ª Brigada de Assalto, participou de um exercício no Reino Unido, mas afirmou que para combatentes experientes o conteúdo era pouco inovador. Em maio do mesmo ano, ele retornou ao Reino Unido para um curso voltado à formação de instrutores. No entanto, como já exercia essa função na Ucrânia, percebeu que os britânicos não sabiam exatamente como direcionar o treinamento para ele e seus colegas.
Ranger destaca que, enquanto o treinamento ocidental segue um plano de seis semanas, os instrutores ucranianos precisam preparar recrutas em poucos dias, diretamente na zona de combate. "Não temos tempo para palestras. Explicamos como se esconder de drones ou fechar trincheiras durante os intervalos para fumar", relata.