As queimadas na Amazônia estão contribuindo para o derretimento das geleiras na Península Antártica, a milhares de quilômetros de distância. Um estudo publicado na revista Science Advances aponta que a fuligem liberada pelos incêndios na floresta viaja até o continente gelado, onde intensifica o degelo. Além disso, navios turísticos e instalações científicas na região são responsáveis por metade da fuligem acumulada no local, agravando ainda mais o problema.
Embora o aquecimento global seja a principal causa da perda de gelo na Antártida, cientistas identificaram que a fuligem tem um impacto significativo. Desde os anos 1970, queimadas na América do Sul liberam até 800 mil toneladas de fuligem anualmente — volume quase duas vezes maior do que as emissões do uso de combustíveis fósseis na Europa. Essas partículas minúsculas são transportadas pelos ventos e percorrem mais de 6 mil quilômetros, chegando à Antártida em menos de duas semanas.
Ao pousar sobre a neve e o gelo, a fuligem absorve calor, criando pequenas poças de água ao seu redor e acelerando o derretimento das geleiras. Segundo o climatologista Heitor Evangelista, líder do estudo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), cada metro quadrado da Península Antártica perde aproximadamente 150 gramas de gelo por dia devido a esse processo. Embora pareça uma quantidade pequena, o impacto é alarmante considerando a imensidão da região, que já registra as temperaturas mais altas dos últimos dois mil anos.
Turismo e instalações científicas também contribuem para o problema
Além da fuligem trazida das queimadas amazônicas, o turismo crescente na Antártida e as operações científicas também desempenham um papel relevante na aceleração do derretimento. Amostras de gelo e ar coletadas na região revelaram altos níveis de substâncias associadas à queima de combustíveis fósseis, indicando que navios, aviões, helicópteros e geradores a diesel são fontes significativas de poluição.
O turismo na Antártida triplicou na última década, atingindo 123 mil visitantes na temporada 2023-24, sendo que 80 mil desembarcaram no continente. Expedições de luxo, algumas custando mais de 600 mil reais, incluem atividades como caminhadas entre pinguins e acampamentos sofisticados. Um estudo chileno de 2022 já havia detectado altos níveis de fuligem próximos a áreas de desembarque turístico e bases científicas, mas os impactos combinados com a poluição trazida de outras regiões só agora começam a ser compreendidos.
A pesquisa da UERJ aponta que a fuligem proveniente da Amazônia atinge seu pico no inverno antártico, período de maior incidência de incêndios no Brasil. Já a fuligem gerada pelo turismo predomina no verão, quando o gelo está mais vulnerável.
Impactos globais do derretimento das geleiras
O derretimento acelerado na Antártida tem consequências diretas para o aumento do nível do mar. Relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) indicam que o escoamento da água proveniente das geleiras já é a principal causa da elevação do nível oceânico global.
Plataformas de gelo que atuam como barreiras naturais para o gelo continental estão se tornando instáveis. A Geleira Thwaites, conhecida como a "geleira do fim do mundo", já apresenta sinais de colapso, o que pode elevar o nível do mar entre 90 centímetros e 3 metros nas próximas décadas.
Com a Antártida concentrando 90% do gelo do planeta, qualquer mudança no equilíbrio da região pode ter efeitos catastróficos para comunidades costeiras. Segundo estimativas da NASA, o nível do mar já subiu 10 centímetros nos últimos 30 anos, causando inundações, erosão e salinização de aquíferos.
Cerca de 1 bilhão de pessoas vivem em áreas vulneráveis à elevação do mar. Países pobres e estados insulares, como Tuvalu e Kiribati, enfrentam desafios ainda maiores, pois não possuem recursos para construir diques e barreiras contra o avanço das águas. O IPCC alerta que os custos globais de adaptação podem ultrapassar US$ 2,2 trilhões anuais até o fim do século, tornando inviável a proteção de todas as regiões ameaçadas.
O impacto desigual da crise climática evidencia como o derretimento das geleiras pode intensificar desigualdades sociais e gerar novas ondas de refugiados climáticos. A fuligem das queimadas na Amazônia, o turismo na Antártida e a queima de combustíveis fósseis são apenas algumas das forças que contribuem para um problema global, cujos efeitos serão sentidos de maneira mais severa pelos países menos desenvolvidos.