O ex-presidente Jair Bolsonaro e membros de sua gestão foram denunciados criminalmente pela Procuradoria-Geral da República (PGR) na última terça-feira (18/2). A acusação alega que Bolsonaro tentou permanecer no poder mesmo após ser derrotado por Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições de 2022.
Bolsonaro nega envolvimento em um suposto golpe de Estado, refutando as alegações de que tenha comandado os atos de 8 de janeiro de 2023 ou planejado o assassinato de Lula no final de 2022. Seus apoiadores questionam as acusações, afirmando que não há provas concretas de que ele tenha dado ordens diretas para a execução desses crimes.
A BBC News Brasil conversou com juristas para analisar a solidez da denúncia e identificar possíveis fragilidades.
Especialistas consultados consideram que a denúncia da PGR constrói uma narrativa lógica que coloca Bolsonaro como mentor da tentativa de golpe. Segundo os juristas, a tentativa teria começado com um esforço sistemático para desacreditar as urnas eletrônicas e levantar suspeitas sobre o resultado eleitoral, culminando nos ataques de 8 de janeiro.
Além disso, a PGR reuniu um conjunto de provas, incluindo documentos e testemunhos que indicam a intenção golpista. Entre os elementos apresentados estão minutas para a decretação do Estado de Sítio e o depoimento do então comandante do Exército, general Freire Gomes, que afirmou ter se recusado a apoiar o plano para manter Bolsonaro no poder.
De acordo com Davi Tangerino, professor de Direito Penal da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), a denúncia é sustentada por provas indiciárias, um conceito jurídico que permite a condenação de um réu mesmo sem evidências diretas, desde que haja um conjunto de indícios fortes. Essa teoria, desenvolvida pelo jurista alemão Claus Roxin, descreve o conceito de "autor por trás do autor", que responsabiliza líderes que comandam estruturas criminosas sem atuar diretamente nos crimes.
Para Tangerino, a recusa do general Freire Gomes em aderir ao plano golpista é um dos elementos mais contundentes da acusação. Ele argumenta que Bolsonaro, como presidente na época, tinha o dever constitucional de impedir qualquer tentativa de golpe, mas não o fez.
Aury Lopes Jr., professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), destaca que a denúncia da PGR é bem estruturada e demonstra que Bolsonaro tinha pleno conhecimento das ações de seu círculo próximo. Ele enfatiza que a resistência sistemática do ex-presidente ao resultado eleitoral e suas declarações públicas reforçam a tese de que ele liderou uma tentativa de golpe.
Um dos pontos frágeis da denúncia é a alegação de que Bolsonaro teria comandado os atos de 8 de janeiro, quando manifestantes invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes. A PGR argumenta que esses ataques foram o desfecho de um longo processo iniciado ainda em 2021, quando Bolsonaro e seus aliados começaram a desacreditar as urnas eletrônicas e a estimular manifestações pedindo intervenção militar.
Para sustentar essa acusação, a denúncia cita trocas de mensagens entre Mário Fernandes, então secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência, e o caminhoneiro Lucas Rottilli Durlo, que participava do acampamento bolsonarista em frente ao Quartel-General do Exército. Em uma dessas mensagens, Fernandes solicita a Mauro Cid que Bolsonaro interfira para impedir ações da Polícia Federal contra os manifestantes.
Outro argumento da PGR é a omissão das forças de segurança do Distrito Federal, sob comando de Anderson Torres, ex-ministro da Justiça de Bolsonaro, no dia dos ataques. A denúncia aponta que a Secretaria de Segurança do DF tinha conhecimento prévio do risco de violência, mas falhou em agir.
Contudo, a delação premiada de Mauro Cid contradiz a tese de que houve um planejamento prévio para os ataques de 8 de janeiro. Em depoimento ao STF, ele afirmou que os acontecimentos daquele dia "foram uma surpresa para todos".
Davi Tangerino considera que a relação entre Bolsonaro e os ataques do 8 de janeiro é o ponto mais frágil da denúncia. Ele ressalta que não há provas concretas de que Bolsonaro tenha ordenado ou participado da organização dos atos, especialmente porque ele já não era mais presidente na época.
O professor de Direito Processual Penal da Universidade Federal Fluminense (UFF), João Pedro Pádua, também classifica como "muito fraca" a ligação entre Bolsonaro e os atos de 8 de janeiro. Ele destaca que o vínculo entre o ex-presidente e os manifestantes que participaram dos ataques é indireto e baseado apenas em conexões entre aliados.
Por outro lado, Pádua reconhece que a PGR construiu uma linha narrativa coerente, ligando os ataques de Bolsonaro às urnas eletrônicas com os eventos de 8 de janeiro. Entretanto, ele alerta que essa abordagem pode ser uma fraqueza caso os eventos não sejam interpretados como parte de um plano coordenado.
Outro ponto controverso da denúncia é a alegação de que Bolsonaro sabia e concordava com o plano "Punhal Verde Amarelo", que previa o assassinato de Lula, Alckmin e Alexandre de Moraes.
A PGR cita como prova o fato de que Mário Fernandes imprimiu documentos do plano dentro do Palácio do Planalto e depois esteve no Palácio da Alvorada, onde Bolsonaro se encontrava. Além disso, uma mensagem de Fernandes para Mauro Cid, datada de 8 de dezembro de 2022, menciona que Bolsonaro teria dito que qualquer ação poderia ocorrer até 31 de dezembro daquele ano.
No entanto, Mauro Cid afirmou em sua delação que não sabia se Bolsonaro tinha conhecimento do plano. Essa incerteza gera dúvidas sobre a força da acusação. Para João Pedro Pádua, a ausência de uma prova concreta enfraquece essa parte da denúncia, pois seria esperado que Cid confirmasse a participação do ex-presidente se ela de fato tivesse ocorrido.
Davi Tangerino ressalta que, caso o processo seja instaurado, a defesa de Bolsonaro poderá questionar a interpretação dada às provas pela PGR. Ele destaca que o julgamento caberá ao Supremo Tribunal Federal, que decidirá qual narrativa está mais bem fundamentada nos elementos apresentados.
A denúncia contra Bolsonaro é considerada sólida em relação à tentativa de golpe de Estado, pois há um conjunto significativo de provas e testemunhos que indicam sua participação na articulação para permanecer no poder. No entanto, as acusações sobre sua ligação direta com os ataques de 8 de janeiro e o suposto plano de assassinato de Lula ainda carecem de provas mais contundentes.
Caso o processo avance, a defesa de Bolsonaro poderá explorar essas fragilidades para contestar as acusações. O julgamento no STF será decisivo para determinar se a narrativa construída pela PGR se sustentará juridicamente.