Um levantamento realizado pela Folha de S.Paulo com base em dados oficiais do governo federal revelou que, em 1.211 municípios brasileiros (21,7% do total), o número de beneficiários do Bolsa Família supera a estimativa de famílias em situação de pobreza. Essas famílias são definidas como aquelas com renda de até R$ 218 por pessoa ao mês, critério utilizado pelo programa para definir elegibilidade.
O estudo considerou municípios onde o número de inscritos no Bolsa Família está pelo menos 10% acima das projeções do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS). Outros 1.769 municípios apresentam números de beneficiários até 10% acima das estimativas, mas, nesses casos, a análise exige cautela devido às margens de tolerância não divulgadas pelo governo.
Desafios na Gestão do Programa
No agregado nacional, as projeções indicam 20,6 milhões de famílias pobres, número próximo aos 20,5 milhões de beneficiários do Bolsa Família. No entanto, a análise municipal revela distorções que exigem ajustes na gestão do programa. Em locais com subcobertura (menos beneficiários do que o estimado), é necessário reforçar a busca ativa. Já em municípios com indícios de irregularidades (número de beneficiários muito acima do esperado), é preciso intensificar as averiguações.
As estimativas foram atualizadas com base no Censo Demográfico de 2022 e na Pnad Contínua, refletindo a situação esperada para dezembro de 2022. A última atualização havia sido feita em 2012, com dados do Censo de 2010. O MDS informou que já trabalha na validação das projeções com base em dados de 2023, recomendando que essas estimativas sejam revisadas a cada dois anos.
Metodologia e Impacto nas Regiões
A metodologia utilizada considera não apenas famílias cronicamente pobres, mas também aquelas sujeitas a oscilações de renda que podem cair na pobreza em um período de 24 meses. Isso reflete o desenho do Bolsa Família, que inclui uma regra de proteção que garante 50% do benefício por até dois anos para famílias que superam a linha de pobreza, mas ainda têm renda abaixo de meio salário mínimo por pessoa.
Com as novas estimativas, municípios do Nordeste, tradicionalmente mais pobres, devem ter prioridade nas novas concessões de benefícios, corrigindo distorções que, no passado, favoreceram regiões como Sul e Sudeste. Segundo Rafael Osório, pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), essa mudança é positiva e alinha-se à intuição de que as regiões mais carentes devem ser priorizadas.
Cautela na Interpretação dos Dados
Osório alerta, no entanto, que as estimativas não devem ser interpretadas de forma rígida, pois estão sujeitas a imprecisões e não avaliam a qualidade do Cadastro Único. "Ter o número correto de famílias não significa necessariamente que todas sejam elegíveis", destacou. Além disso, o estudo revelou uma subcobertura significativa no recorte de famílias de baixa renda (renda de até meio salário mínimo por pessoa), com 27,4 milhões de famílias estimadas contra 24,6 milhões registradas no Cadastro Único.
Essa diferença pode ser explicada pelo menor incentivo à inscrição no cadastro, já que o Bolsa Família é focado em famílias com renda até R$ 218 por pessoa, e outros benefícios, como o BPC, atendem públicos específicos.
Conclusão
O levantamento destaca a importância de uma gestão eficiente do Bolsa Família, com foco na correção de distorções e no direcionamento de recursos para as regiões mais necessitadas. A atualização das estimativas e o uso de metodologias robustas são essenciais para garantir que o programa continue cumprindo seu papel de reduzir a pobreza e a desigualdade no Brasil.